CAPÍTULO O1

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A Lua já estava no topo do céu daquela madrugada e a cidade um tanto quanto pacata de Yellow Hill já dormia. Mas Cláudia não. 

Foi assim nomeada por receber um dos mais belos pores do sol de todo o país. O sol todo fim de tarde mesclava-se com os picos verdes das montanhas serranas. Na verdade, nenhuma cidade pode chegar a ser realmente pacata. Todo o local tem seu momento de ascensão. Entretanto, nesses últimos anos, Yellow Hill estava em declínio.

Tempos atrás, a cidade era local referência em boates e da badalação urbana. O longo lago do Parque Central havia sido a vista dos mais caros cartões postais do estado de Santa Lúcia. Costumavam falar que quem estava na cidade teria diversão farta na certa.

Porém, tudo mudou tão de repente. Atualmente, pelo contrário, a maioria da população era mais velha o que, portanto, fazia com que poucos se lembrassem dos momentos de auge do lugar. Acabou que no final de meados da década de noventa um tornado ali ocorrera, causando não só a morte de muitas pessoas, mas também fazendo com que um grande fluxo delas saísse da cidade. 

Houve a destruição das residências, do comércio e inclusive das baladas que eram marca da cidadela.

O fato é que havia pouca gente depois da catástrofe. Os mais apegados, isto é, os mais velhos, voltaram e reconstruíram suas casas com muito esforço. Já os mais jovens não viam na cidade uma oportunidade nem uma boa escolha.

E assim perpetuou-se. Atualmente, era um sinônimo de paz e tranquilidade. Os idosos de todo o estado compravam casas ali para viverem felizes seus últimos anos. Havia mais gente perdendo suas coisas do que sendo roubada.

Nesse momento, Cláudia encontrava-se acordada e sentada no sofá em frente ao computador portátil. A luz da tela iluminava a pequena sala apagada. Lembrava de como sabia de tanto sobre onde morava e das histórias engraçadas que seus pais haviam lhe contado sobre Yellow Hill. 

Não era velha, pelo contrário, era esbelta e jovem com seus plenos vinte e três anos de idade, longos cabelos e alguns namoros fracassados. Os pais dela, Eliana e Mark, foram um dos poucos jovens casais que retornaram a cidade destruída. O fizeram porque por sorte a sua casa havia sido uma das poucas a não ser atingida.

A jovem comovia-se ao lembrar deles que a amavam tanto e que lhe deram sempre o melhor que poderiam. Tinham uma boa condição financeira e uma boa casa. O pai era médico e a mãe abriu uma floricultura logo após voltarem. Foi isso que ela lhe contara. Atualmente, Cláudia sentia grande saudade, pois perdera a sua companhia diária ao ir morar em um apartamento bem apertado perto de onde trabalhava.

Recordando o motivo de estar acordada naquela altura da noite, tornou a concentrar-se no que deveria primordialmente estar fazendo. Olhou firmemente a tela e esticou as pálpebras na tentativa de ficar mais desperta. Pesquisava sobre a arma que seria sua e estaria em suas mãos daqui a poucos dias. Uma considerável pistola austríaca. Uma Glock G17 de calibre nove milímetros e um alcance de cinquenta metros.

Estava trabalhado fazia alguns meses na Delegacia de Polícia Investigativa de Yellow Hill. Só de olhar a foto da arma, Cláudia que havia recém finalizado o curso de policial investigadora, via o coração acelerar de felicidade.

Ainda menina, quando tinha uns dez anos, havia decidido que defenderia a sua cidade do crime. Adorava os filmes de tiros e dramas policiais que sua mãe não gostava. Mesmo que sempre moderada a vê-los, o sonho aumentava à medida que crescia. Um sorriso de ponta a ponta surgia em seu rosto quando conseguia desvendar o mistério de um filme antes mesmo do desfecho final. Satisfeita, sempre dizia, "Eu sabia papai! " enquanto ele acariciava seu cabelo moreno e macio.

Um dia daqueles de sua infância, foi até a cozinha e sentou-se na cadeira da bancada e perguntou:

— Mãe, o que você faria se um grande e lindo tigre invadisse a nossa casa? Você correria ou tentaria matá-lo?

Eliana surpreendida com a pergunta da filha, a olhou carinhosamente e abriu um grande pote cheio de cookies fresquinhos que estava a sua frente. Ela sabia que para tirar a atenção da filha bastavam alguns doces.

— Filha, vamos lá! Coma alguns, estão ótimos – pegou um e deu uma mordida e o mesmo fez Cláudia.

Estavam uma delícia, como sempre.

— Qual é, mamãe? – disse de boca cheia. – Eu te fiz uma pergunta!

Eliana fechou o pote e tornou a olhar a filha. Ela amava muito aquela menina, mas os cookies não funcionaram. Não tinha jeito, teria de responder.

— O que você perguntou mesmo filha?

— Se um tigre, daqueles que passam no Animal Planet, invadisse a nossa casa, você correria ou tentaria matá-lo?

Colocando as duas palmas sobre as bochechas e apoiando os cotovelos na bancada, Cláudia fixou seu olhar na mãe.

— Depende das circunstâncias. Eu estaria sozinha ou com você e seu pai em casa? – questionou.

— Sozinha.

Cláudia mordeu mais uma vez a bolacha enquanto olhou de novo atentamente sua mãe pensar.

— Espertinha – riu. - Você sabe que se eu estivesse com vocês eu gritaria pedindo socorro para o se pai, não é?

Mesmo com tantos anos de casados, Eliana corava levemente sempre ao falar do marido Mark. Não por vergonha, mas talvez por lembrar-se de como o amor entre eles era tão grande e forte. Cláudia sempre percebia essa reação de sua mãe. Continuou:

— Acho que então eu correria. Não teria como eu matar um tigre.

Cláudia sabia que a mãe achava aquela pergunta uma tolice. Mas a menina naquela idade, também achava que tudo e qualquer coisa poderia ocorrer, até um tigre entrando em sua casa. Por que não?

— Muito bem, mamãe. Mas você não poderia esquecer de ligar para central da guarda ambiental. Você não iria querer que quando papai chegasse em casa, ele se deparasse com um grande animal feroz – disse satisfeita.

Eliana confirmou com a cabeça, sorriu e deu um beijo amoroso na bochecha da filha.

+++

Pegou-se com a cabeça novamente em seus pais. Quase sendo vencida pelo sono, decidiu dormir. 

Cláudia levantou-se do sofá bocejando e fechou o laptop sem desligá-lo. Colocou em cima da mesa de jantar e seguiu em direção a cozinha onde pegou um copo de água. Em poucos passos chegou ao único quarto do apartamento e deitou na cama. Cobriu-se. Foi quando se lembrou de não ter escovado os dentes.

Bufando, ergueu-se e agora seguiu até o banheiro. Ligou a luz, colocou a pasta sobre a escova e abriu a torneira. Enquanto escovava, olhou para si mesma através do espelho fixado na parede. Aquela falha em sua sobrancelha sempre a incomodara. Cicatriz que a marcara. Não era só aquela. Tinha algumas outras espalhadas pelo corpo, mas que hoje pouco perceptíveis.

Cláudia não poderia nem pensar naquele tornado que trouxe tantas coisas ruins para todos assim como para ela. Aos dois anos, ficou internada em coma na UTI infantil, portanto, felizmente, pouco se lembrava daquele momento de sua vida que os pais sempre choravam ao contar.

A jovem colocou sobre a água que saia sua mão em concha, enxaguou a boca e cuspiu. Desligou as luzes e voltou ao quarto. O sono se perdeu um pouco quando se lembrou que aquela manhã seria mais um dia de trabalho na delegacia. De qualquer forma, sabia que precisava dormir para estar disposta.

Deitou na cama, encolheu-se entre as cobertas e fechou os olhos. Não rezou, mas só pediu a alguém, que ela nem sabia quem, que algo como aquele tornado não ocorresse jamais novamente. 

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E aí moçada, tudo tranquilo? Espero que tenham gostado desse primeiro capítulo da história. Dá um voto, comenta o que achou e ainda se quiser você pode adicionar em uma de suas Listas de Leitura.  

Boa diversão! 

Entre Os Ventos de Yellow HillOnde histórias criam vida. Descubra agora