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MAYA

    Abro a porta e me atiro no sofá. Trabalhar com algo que você não quer e ver pessoas fazendo seu sonho é o mais cansativo de todo o processo. Não que eu sinta inveja. Cada pessoa merece seu reconhecimento, principalmente quando se trata de arte. Mas eu continuo me perguntando: "Quando será a minha vez?"

Decido continuar deitada do mesmo jeito que cheguei e quando menos espero, o sono me domina.

   Tudo ao redor é resumido em flores e nuvens. Peônias em diversas cores colorindo a vista, em harmonia com as que estão presentes no céu. Eu caminho sem entender muito bem o que está acontecendo, até me deparar com ele. Seu rosto é feito de traços fortes que juntos são capazes de causar estragos. Os olhos levemente puxados e em um tom de castanho escuro faz qualquer azul claro parecer feio. A boca é carnuda com um leve toque avermelhado. Ele sorri enquanto percorre meu rosto com o olhar e sinto um frio na barriga no momento que os olhos se transformam em duas linhas e seus dentes brancos com caninos um pouco afiados refletem. Me aproximo sem pensar.
- Quem é você?- Meu tom de voz sai mais baixo que o normal, mas mesmo assim parece ter escutado. Apenas estende a mão para mim e pego a mesma sem hesitar.
    Sinto os pés flutuando e olhando para baixo, vejo que realmente estou. Me puxa para perto e prendo a respiração com sua aproximação inesperada.
- Não precisa ter medo.- A voz com um tom abafado, algo inexplicável e viciante chega a meus ouvidos. Como um gole de café capaz de esquentar a tarde mais nublada, sua voz é quente.
   As mãos estão ao redor da minha cintura e seguro seu braço com força pelo medo de cair que me consome. Misturado com o de meu corpo desistir de mim a qualquer momento, tanto pelo toque suave em minha pele quanto pelos músculos ressaltados nos braços da criatura mais linda que meus olhos já avistaram. Cada pedaço dele alucina o meu juízo. Foca em mim com um brilho tão ingênuo que faz parecer que está sorrindo com os olhos.
- Eu vou te proteger.- Diz calmo e sério como se as palavras não me apunhalassem no peito.- Sempre.
   Antes de conseguir ficar mais fissurada, um par de asas surgem por trás dele. Minha feição muda. Ele percebe.
- Disse que não precisa ter medo.- O hálito acalorado me dá arrepios.
- Não tenho.- Deixo claro sem tirar meus olhos das asas escuras que se movem lentamente. Elas parecem fortes e tão frágeis ao mesmo tempo. Um brilho magnético percorre cada uma das milhares de penas presentes. Um desejo sublime de tocar me atravessa.
  Ri parecendo aliviado. Sua risada é nasalada e contagiante. Em uma fração de segundos seu rosto muda e se torna sério, até mesmo triste.
- Sou Mingyu.- Tudo ao redor fica embaçado e se desfaz depois das palavras serem formadas.

    Levanto e me deparo com a sala simples do meu apartamento. Bagunço os cabelos impaciente.

- Sempre tenho que acordar na melhor parte?- Resmungo e sorrio recordando.- Mingyu... Finalmente eu sei algo de você.

MINGYU

Seu olhar está longe, e tudo que quero é saber o que pensa. Não é de falar muito, mas sua mente é repleta de pensamentos a todo momento.

Quem será essa pessoa com quem vem sonhado ultimamente? Quem é Mingyu?

   Me surpreendo no momento em que se levanta e vai em direção ao corredor. Ela toca na maçaneta da porta que não tinha sido aberta há meses, e isso só pode significar uma coisa.

   A tela branca já está cheia de rabiscos quando chego. Seus dedos controlam o lápis tão rapidamente. Parece estar com medo de que sua ideia desapareça.

   Mesmo ainda estando confuso sobre os acontecimentos, sei que eles estão fazendo bem a Maya.

   Sento na cadeira de frente para a mesma e admiro seu sorriso de satisfação surgir a cada minuto que se passa. E como se fosse automático, o meu também não para de aparecer. Caio em profunda concentração. Nela.

Pega a tinta e começa a sujar a tela que está entre nós feito uma criança de 7 anos, quase dando pulos de alegria. Não consigo segurar o riso quando passa a mão sobre a testa para afastar uma mecha, se esquecendo que os dedos estão sujos de preto.

   Não se importa, nem ao menos se dá conta, e continua o trabalho. Sorrindo. Cantarolando.

   A campainha toca. Só acorda do transe na segunda vez que o barulho soa pelo apartamento. Seu olhar de insatisfação aparece.

Fico curioso conforme ela deixa o cômodo.

   Dou a volta no quadro. Me espanto ao olhar a pintura à minha frente. Foco nela, que ainda está indo em direção à porta, e depois volto perplexo.

   Um anjo com asas negras toma conta de quase toda tela. Esse anjo sou eu.

Sky. {Mingyu} EM MUDANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora