Impulso

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Fico aliviado quando Lynn dá a seta já com a velocidade reduzida e estaciona o carro.

Neste trajeto, faço um imenso esforço para bloquear minha mente para que não revivesse o dia em que a perdi, melhor, nos perdemos, visto a similaridade dos acontecimentos, mesmo que por razões distintas.

Reviver àquela tragédia agora poderia trazer à tona outras consequências, fugiria ao meu controle e isso estaria fora de cogitação. Diferente daquela ocasião, aqui no "presente", tenho controle da situação.

Mudo a sintonia da minha emoção.

Nestes longos cinco minutos ela simplesmente "voou" na estrada, superando e muito todos os limites de velocidade. Estou surpreso de que ela não tenha sido abordada por algum policial, visto a infração cometida, o que, aliás, colocaria ambos em maus lençóis, uma vez que não a perdi de vista.

Estou dirigindo a certa distância, decido passar por ela, indo até o final da rua para manobrar. Aproveito para me situar, conhecer as redondezas. Estaciono ao lado oposto da rua, do que suponho ser sua casa para ter uma boa visão e decidir o quê fazer.

Fisicamente sei que ela está bem e não me perdoaria jamais se algo acontecesse a ela, no entanto, emocionalmente, é visível que ainda está alterada porque nem percebe a minha movimentação.

Como pode? Em estados emocionais alterados, em geral, é quando seu senso de sobrevivência e auto preservação devem ser elevados. O alerta para o perigo, idem. Não pode continuar sendo tão displicente e desejo alertá-la sobre este comportamento tão logo ela permita minha proximidade como deve ser. Ou seja, neste exato momento, caso quisesse fazer mal a ela, passaria despercebido e certamente teria êxito.
No entanto, como quero o seu bem, ainda assim, não vejo motivos para comemorar face à sua vulnerabilidade.

Lynn sai para a área externa do seu quarto e fixa o olhar no horizonte. A tarde está linda nesta sexta-feira do mês de julho. O sol está presente na medida certa, poucas nuvens, o que garantirá um entardecer inesquecível.
O cenário perfeito para registrar nosso reencontro. Isso porque, historicamente,  Seattle não é lá muito do sol. 

Passou-se vinte minutos que Lynn deixou sua varanda. Ela pensa em mim, posso sentir. Nem cogitei em ir embora. O portal está aberto, e é um convite para eu estar com ela. Ela só não tem essa consciência ainda, mas o seu subconsciente me quer por perto, e isso é um bom sinal.

Lynn percebe que há algo a mais a ser desvendado. Fico satisfeito em ter este ponto de vista, porque não esperaria nada diferente da minha garota.

Relembrando momentos atrás e olhando o seu semblante àquela curta distância, me fez sorrir novamente num contentamento que me acalmou.

Creio que o encontro dos nossos olhares, ativou de certa forma em Lynn um sentimento maior, que jamais reconhecera e fará de tudo para compreender. Anseio por isso.

Mentalizo a afirmação de que somos um só, e não temos como ignorar isso. Direciono a ela esta energia e vibração. Aliás, ignorar por quê? De repente, me ocorre que o que não posso ignorar é a chegada de David a qualquer momento e não tenho certeza se suportaria uma overdose da sua presença por hoje.

Presumo que há duas possibilidades dele não ter feito o que eu fiz: segui-la de imediato. Porventura, é certo que forçaria uma reconciliação. Primeiro por orgulho ferido, segundo por qualquer outro contratempo que o tenha detido, atrasado. Inquestionavelmente, é o universo conspirando ao meu favor.

Tudo o que preciso agora é ficar atento aos sinais e aproveitar todo o espaço que eu tiver para chegar até ela, estar com ela.

Tudo seria tão mais fácil se eu simplesmente pudesse mostrar a ela o que vivemos e o que somos um para o outro. Contudo, uma imprudência pode adiar nossos destinos juntos sabe se lá por quantas décadas a mais. Sei que não devo, mas não consigo resistir. É só eu ter cuidado no que poderei mostrar ou revelar. O fato é que ela vai precisar vir para mim por ela mesma.

Recosto minha cabeça no banco do carro, meus braços estão apoiados no meu colo, buscando um estado de relaxamento e não demoro a atingi-lo já com meus pensamentos focados nela. Concentro toda a minha energia para um salto quântico e me projetar agora para interagir com ela. Esse é o estágio em que ela está quase adormecida.

Mantenho meu corpo físico em segurança, me projetando ao seu encontro.

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