Estrela Dora

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Estava no terminal de ônibus da minha cidade, vindo de mais uma entrevista frustrada de emprego. O tempo se esgota e as coisas não se encontram nos seus devidos lugares.

Sentado, eu vejo a figura de uma senhora pedinte. Envergonhada, ela me pede alguns trocados. Eu, de bolso vazio, dou umas três moedas de 10 centavos. Geralmente, ando com pouco dinheiro. Não tenho o luxo de outros caras de 20 e tantos anos. Sou apenas eu e não gosto de impressionar ninguém.

Agradecida, ela pergunta se pode sentar do meu lado. Diz que está cansada e eu digo que não há problema algum. Automaticamente, ela começa a falar sobre sua vida, o que me interessa. Disse que veio de longe, tentar a sorte em São Luís. Deixou mãe, pai, filhos e marido para trás. Ela tinha uma boa quantia quando aqui chegou, mas foi assaltada. Perdeu tudo o que tinha: uma única mala, um celular com os contatos que nunca gravara na mente, as fotos dos familiares e todo o dinheiro que possuía. Desde então, está vivendo como mendiga.

Continuei calado. Estava sem palavras.

Ela disse que as pessoas são muito egoístas. Negavam moedas, diziam na cara dura que não tinham e ainda a chamavam de vagabunda, folgada e tantos outros adjetivos pejorativos que aqui não convém.

Ela tinha sentimento. Eu vi nos olhos daquela mulher a sinceridade, o bom caráter que eu sempre busquei. Com isso, falei o que eu achava: que eu concordava com a opinião dela, dando opiniões minhas sobre tudo aquilo. Por esse motivo, demo-nos bem demais.

Meu ônibus chegou. Eu parti e ela me viu pela janela do ônibus. Em pé, ela se despedia de mim, grata pela boa conversa que tivemos. E eu, grato por ter exposto palavras cheias de teias por causa do tempo. Palavras antigas, guardadas para boas conversas que pouco tive.

Uma semana depois, estive novamente no terminal. Conversamos novamente. Três dias depois, trocamos conselhos e ela estava feliz porque encontrou pessoas de bom coração. Disse-me que recebera água, comida e roupas de uma família que pôde doar. Toda vez, eu dividia o que tinha com ela. Pagava um lanche, dava alguma quantia... Ela era uma amiga.

Fiquei uns dias ocupado. Não tive tempo de visitar Dora. Mas, duas semanas depois, voltei ao terminal, porém não a encontrei. Eu sempre a encontrava quando iria lá. Perguntei a uma vendedora se tinha notícias da minha melhor amiga. Ela disse que Dora havia sido violentada por malandros e tinha sido encontrada morta uma semana atrás, em um matagal afastado dali. Eu fiquei sem ação. Calei-me. Meu ônibus chegou e eu vi aquele banco vazio que nunca esteve tão vazio. Eu vi a imagem de Dora ali, dando-me adeus.

Sinto tanta falta da Dora... Uma senhora tão educada, legal, sonhadora. Nada eu podia fazer. Nem ela possuía o contato dos familiares. Naquele momento, a única coisa que eu podia fazer era rezar e acender uma vela para ela.

Onde quer que ela esteja, só quero que ela saiba que eu amei demais conhecê-la. Eu a amei como amiga. Em pouco tempo, ela foi uma irmã. Uma irmã que a vida me deu. Uma irmã que tive e perdi.

Hoje, Dora brilha no céu. A estrela mais cintilante é ela. Eu tenho certeza que aquela estrela é Dora porque ela brilha igual aos olhos que ela possuía: leve e sonhadora.

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