Passageiro

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Escrito por: @arifonseca


Sou um enorme vazio.

Caixa de presente sem conteúdo. Livro em branco. Música sem áudio.

Onde errei? O que fiz, ou deixei de fazer, para ter chegado onde estou? A saudade do garoto sonhador que se aventurava sem medo pelo mundo aperta meu coração. O sorriso fácil no rosto, os amigos, os amores.

Não sou mais assim.

Entro com a cadeira de rodas na apertada porta do meu quarto e sigo para a janela. Odeio esse clima de Natal. Enfeites bregas, canções chatas, falsa alegria. Se o ano inteiro é uma merda, por que tenho que fingir que em uma data específica tudo fica maravilhoso? Afasto um pouco a cortina e observo o mundo lá fora. O dia também está de mau humor. O céu cinza escuro e as árvores do jardim balançando suas folhas com rigidez mostram que uma tempestade está chegando.

Suspiro, cansado.

Fecho a cortina com força e reparo em minhas mãos. Nem elas são mais as mesmas. A pele enrugada e manchada, veias à mostra, provam que a idade chega para todos. Até para mim. Quem diria que eu completaria 80 anos? Há um tempo atrás nem eu acreditava.

Empurro a cadeira de rodas em direção à pequena cômoda que fica do lado da cama para procurar meus óculos. Preciso ler um pouco para distrair a cabeça. Abro a gaveta e passo as mãos por ela. Nada. Sílvia deve ter tirado do lugar durante a limpeza. Droga! Essa mulher não me escuta.

Apoio o peso do corpo na lateral da cadeira e faço força para me mover. É difícil mexer sem os movimentos das pernas.

- O senhor precisa de ajuda? - Uma voz doce invade meus ouvidos.

- Não - respondo com minha habitual grosseria sem nem olhar para trás.

- Tem certeza? Eu posso pegar o que está procurando. - A pessoa insiste e entra no quarto, aproximando-se de mim.

- Já disse que não precisa, consigo sozinho - retruco encarando-a. Nunca a vi. Reconheceria esses grandes olhos azuis. - Quem é você?

- Sou Maria Luiza, muito prazer! - Estende a mão com um sorriso estampado no rosto.

- Não perguntei seu nome, quero saber quem é você. O que está fazendo aqui? Esse lugar não é para jovens.

- O senhor é engraçado - afirma e continua sorrindo. Só pode ser brincadeira. Eu, engraçado?

- Você tem problema psicológico? Vão começar aceitar pessoas assim aqui agora também? Era só o que faltava!

- Não! - gargalha, chegando ainda mais perto. - Eu sou uma adolescente normal de 17 anos. Vim aqui só fazer uma visita.

- Normal? Visita? Quase nunca recebemos visita - lembro e ela fica séria pela primeira vez, com o olhar perdido.

- Prometo que virei mais vezes!

- Não por minha causa, por favor - esclareço rápido. Adoro o silêncio desse lugar.

- Pode deixar - sorri novamente. - O que o senhor está procurando?

- Meus óculos - respondo depois de longos segundos. Vou falar logo para ela sumir daqui.

- Estão dentro da gaveta? Posso ver? - Balanço a cabeça permitindo.

Maria Luiza olha gaveta por gaveta e nada. Remexe as poucas roupas.

- Acho que não está aqui!

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