O melhor aniversário da minha vida.

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Escrito por: @Felipe_Araujo98

Dou passos lentos pela cozinha em direção o quarto de meus pais, onde se encontra apenas minha mãe. Bato na porta ouvindo sua voz pedindo para que eu entre e assim faço. Coloco apenas minha cabeça vendo ela jogada sobre a cama jogando em seu celular.

— Mãe? Podemos ver aquele filme agora? — Engulo seco, me tremendo por dentro.

— Não pode ser na Sky? Ou no quarto da sua irmã? — Ela disse com a voz preguiçosa.

— Não, é que é no notebook e precisa ser na sala por causa do Wi-Fi! — Sorri minimamente vendo ela se sentar na beira da cama de forma preguiçosa. — Obrigado!

— Nunca vi você querer ver tanto um filme assim comigo. Se for triste, já me avisa que eu nem vou! — Ela resmungou enquanto seguia na direção da sala com um travesseiro e uma almofada.

— Só... Assiste o filme e sem muitas perguntas. Ta bom? — Respirei fundo a vendo dar de ombros enquanto coloco o notebook na mesa de centro e me sento no sofá com ela.

— Esse filme é sobre o que? — Ela cerrou os olhos vendo um garoto andar por uma ponte no centro de uma cidade.

— É um filme sobre Deus, um relacionamento entre a mãe com seu filho e sem mais perguntas. Apenas assiste! — Respiro fundo me concentrando no inicio do filme, Orações para Bobby.

Após alguns minutos de filme, a trama vai se desenrolando e o ponto principal chega, a sexualidade do garoto. Bobby, menino cristão, nascido e criado em berço religioso. Trás consigo uma culpa por ser diferente, após sua mão descobrir sua sexualidade, tenta de toda forma reverter isso, recorrendo a Deus e até psiquiatra.

— Leonardo, ele é gay? — Minha mãe me olhou de canto de olho, fazendo meu corpo congelar instantaneamente. O nervosismo só aumentou e apenas assenti por não conseguir dizer nada.

Em uma determinada cena, onde aparentemente ele tomou remédios tentando o suicídio. Minha mãe se virou para mim e disse seria: — O que você está querendo com isso?

— Mãe, por favor. Só hoje, assiste sem perguntar nada. — Após uma pequena olhada em meus olhos, ela se virou para o notebook prestando atenção.

Com o desenrolar do filme, não venho mais nenhum questionamento. Em cada cena triste, lágrimas e mais lágrimas escorriam de meus olhos. Ver o protagonista ser tão parecido comigo, ter uma vida tão idêntica, mesmos sonhos, mesmos medos, meus desejos, só me fez ver o quanto o filme poderia ser uma base para me assumir logo após o termino.

Já tenho 19 anos, daqui a alguns instantes, estarei fazendo duas décadas de existência. Desde os meus os 15 anos, minha vida virou do avesso com minha mãe descobrindo minha Bissexualidade. Sempre tratamos isso como se não existisse, eu fingia estar feliz e ela realmente achava que o único filho homem poderia um dia dar netos legítimos.

De tempos em tempos brigas aconteciam, ela lia versículos bíblicos, se negava a aceitar minha sexualidade. Alegava um possível estupro para explicar meu comportamento, mas não era bem assim.

Na virada de 2018, desejei uma única coisa: Que minha mãe finalmente me entendesse e me amasse. Parti para o plano de, um dia antes do meu aniversário, eu assistiria esse filme, pediria para que meu presente fosse sua aceitação e só aí seriamos felizes, igual às famílias dos comerciais de margarina. E posso dizer, está funcionando.

Após a morte do protagonista, choro sem dó, demonstrando o quanto aquele momento significava para mim. Já minha mãe, impaciente com a situação, perguntando a todo o momento o que tudo significava, não grudava o olho no notebook. O que faz meu coração acelerar.

Finalmente o filme acaba com nós dois em silêncio, olhando para a tela do notebook sem saber o que falar. Respiro fundo tomando coragem para falar. Viro-me para ela segurando em sua mão. — Sempre, quando conversamos, eu sou quem fica calado enquanto a senhora fala tudo o que pensa. Por favor, nesse momento, eu só peço que me ouse!

— Okay! — Sua voz saiu baixa e seria. Enquanto seus olhos olham nos meus fixamente.

— Desde que tudo isso começou, eu me senti a pior pessoa do mundo. Me senti um lixo, por não poder dar a senhora o que tanto quer, um neto. Coloquei na minha cabeça uma bissexualidade que não foi aceita. Vendo esse filme eu pude ver o quanto minha vida e a de Bobby são parecidas. E a senhora sabe disso, não sabe? — Limpo minhas lágrimas sentindo meu coração pulsar muito rápido. — Eu, busquei ajuda em Deus, eu orei, eu pedi, eu me humilhei. Tudo para que ele tirasse de mim essa coisa que tanto faria a senhora sofrer. Eu sofri todos esses anos calados, para que a senhora pudesse ter uma vida sem problemas relacionados à minha pessoa.

Paro por um momento mordendo meus lábios, vendo minha mãe sem reação alguma a me ver se abrir com ela, mas isso não vai atrapalhar esse momento. Preciso ser forte, preciso me posicionar se eu realmente quero que ela acredite e confie em mim.

— Sabe, naquele dia no quarto, que aconteceu aquilo. Eu me senti o ser humano mais podre e infeliz. Pensei que talvez... Só talvez, se eu não estivesse na vida de vocês, vocês seriam felizes. Mas ai, eu me lembro de você, do meu pai, da minha irmã. Lembro que se o que eu não quero ver é o sofrimento de vocês, eu não poderia tirar minha própria vida. Sabe mãe, meu maior defeito ou qualidade, é sempre colocar você em primeiro lugar.

— Leonardo...

Faço sinal para que ela não continue e aperto forte sua mão. — Eu nunca me aceitei de verdade, sempre neguei quem eu era. Vivia uma vida triste, sabendo que não poderia dar o que tanto me pedia. Olha para mim! Eu não me cuido, não cuido do meu cabelo, do que eu visto, do que eu calço e nem do meu corpo. Tudo é um jeito de repelir qualquer pessoa que tente se aproximar de uma forma afetiva, para que eu não possa me envolver e dar um desprazer para a senhora.

Enxugo mais minhas lágrimas que caem insistentemente, paro algumas vezes pegando um ar para que não tenha um infarto nesse momento tão decisivo.

— Mas mãe, hoje eu estou fazendo vinte anos, não sou mais um criança assustada, que tem medo de tudo e de todos. Sei que o mundo é cruel, mas sou forte o suficiente para aguentar essa barra que é me assumir gay. Sim, eu sou gay. Não precisei ser violentado, como as pessoas dizem, apenas nasci assim. Desde pequeno delicado, meigo, carinhoso, via o mundo com outros olhos, gostava do que garotos normais não gostavam.

— Meu filho, eu só tenho uma pergunta... — Minha mãe me olhou nos olhos fazendo com que eu baixasse a guarda. Assinto fazendo sinal para ela continuar. — Você está pronto para seus parentes? Pronto para ouvir as piadinhas? Ergue os peitos e aceitar tudo que vier da sociedade, te julgando sem ao menos conhecer seu caráter?

Várias respostas passam por minha cabeça. Às vezes um sim, nos outros pensamentos não. Suspiro fundo levantando a cabeça a encarando nos olhos. — Sim, eu estou. E tenho certeza que se a senhora estiver do meu lado nesses momentos, estarei mais pronto ainda.

— Sabe meu filho, como mãe sei que não é fácil. Desde o dia que temos nossos filhos, projetamos seus futuros e mãe nenhuma deseja essa vida para seu filho. É difícil, dói, mas é uma decisão sua e eu tenho apenas que respeitar. Afinal eu tenho um filho e não um rótulo.

Abaixo a cabeça não contendo a emoção. Tantos anos batalhando por aceitação, brigas, lágrimas, discussões. Em pensar que bastou apenas eu me abrir de verdade para ela e tudo parecer estar caminhando para o final feliz, o meu final feliz.

— Sabe, eu sempre digo que você me ensinou a amar, que foi com você que aprendi a ser uma pessoa melhor. Eu tenho tanto orgulho do que você se tornou. Seu caráter, sua personalidade e todas as coisas boas que você tem são admiráveis. Mães sempre dizem ter o melhor filho do mundo, mas eu sei, que de verdade, o meu é o melhor do mundo.

Vejo-a levantar e estender a mão na minha direção. Seguro e sou puxado para um abraço forte me sentindo de imediato o filho mais sortudo do mundo. Minhas lágrimas escorrem pelo meu rosto se encontrando com as delas logo em baixo. — Obrigado...

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