Escrito por: TaianebastosMaciel
Todo sábado pela manhã, Maria tinha o hábito de cuidar dos cabelos de sua filha Clarinha. A menina entrava cantando e dançando no box do banheiro, com seus cosméticos, sentindo-se a própria princesa da Disney.
Maria depositava creme na palma da mão, espalhava em todo o comprimento dos longos cabelos cacheados da sua filha e enluvava mecha por mecha. Depois, pacientemente desembaraçava os cabelos como uma habilidosa tecelã. Sempre contava alguma história engraçada ou ouvia as de Clarinha.
Porém, naquele sábado em particular, a menina estava pensativa. Abria a boca apenas para reclamar que sua mãe estava puxando demais os seus cabelos. Certamente havia algo bem estranho. Maria notou o olhar distante da pequena e sua indiferença às brincadeiras e indagou o que tinha acontecido.
– É só que... Eu queria ter o cabelo da princesa Bela! – explicou a menina.– Ora, filha, por quê? Seu cabelo é tão lindo! – disse Maria, cheia de orgulho – Seus cachinhos são macios, bonitos...
– Meu cabelo é feio, mamãe! Parece até um macarrão queimado – a menina interrompeu.
– Que bobagem, Clarinha. Quem falou isso? Algum coleguinha da escola?
A menina abaixou a cabeça.
– É que eu tava desenhando nossa família, mamãe – Clarinha disse, com os olhos marejados – Eu, você e o papai. Aí meu coleguinha falou isso...
– Ah filha, não liga pra ele não. Ele deve ser um bobalhão.
– Mas ele tá certo mãe. Por que meu cabelo não é liso como o seu?
– É porque...
Ela interrompeu a frase sentindo sua garganta apertar. Como explicar para sua filha que ela passava quatro horas num salão de beleza, num vapor sufocante de uma tal escova progressiva, porque era mais prático para o seu dia-a-dia? Clarinha não entenderia todos os motivos que levaram sua mãe até ali.Maria logo lembrou-se de quando ainda era pequena. Terceira filha numa casa de cinco meninas com cabelos volumosos. Ela, que um dia teve seus cabelos penteados por sua irmã impaciente, logo ficou responsável por travar uma guerra contra os cabelos das menores.
Na escola, uma coleguinha disse a Maria que ela era bonita, mas que seu único defeito era seu cabelo ruim. Ela acreditou. Desse dia em diante passou a odiar seus cabelos crespos, como se tivesse recebido uma maldição.
Outro dia, escutou sua vizinha dizer à sua mãe: "Nossa! Mariazinha parece uma doida com esse cabelo bagunçado, porque não prende? ". Por isso, amarrava os cabelos com tranças ou com um coque, sempre com muita brilhantina.
Quando tinha alguma festa, e seu pai um dinheiro sobrando, ia ao salão de beleza para alisá-los e lá também escutava: "Nada melhor do que um cabelo arrumado para nos sentirmos bem, não é?" . E quando começou a ganhar seu próprio sustento, ir ao cabelereiro virou hábito semanal.
Já casada, descobriu- se grávida de uma menina, e logo os comentários das suas irmãs lhe tiravam o sono: "Peça a Deus que essa menina não tenha o cabelo da nossa família, já imaginou a trabalheira?". E ela agradeceu por ter se casado com alguém de cabelo bom.
Ah, mas a vida prega peças e o bebezinho que nasceu com cabelo liso, logo se tornou uma criança de cachos bem volumosos. E Maria, como toda mãe que quer suavizar os males do mundo para seus filhos, resolveu que lutaria por ela.
Por isso, procurou tudo o que era possível para usar em crianças. Descobriu cremes naturais à base de amido, banana, abacate, óleo de côco, e foi testando um a um. Entendeu que só se desembaraça cabelo cacheado quando estava molhado e ficou hábil em penteados sem usar o pente, com os fios secos.
E deu certo. Maria exibia sua filha como um Monet.
Talvez, se tudo tivesse sido diferente, seria a própria Maria quem exibiria sua volumosa cabeleira cacheada. Ela olhava todos os dias sua imagem no espelho, sentindo que aquele reflexo era o de outra pessoa. Contudo, teria ela a coragem para mudar?
Maria enxugou os cabelos de sua filha, finalizou com creme de pentear e vestiu sua roupinha. A menina olhava sua mãe, aguardando o que resto da frase que foi interrompida. Instantes depois, Maria pôs Clarinha num banquinho, para que ficassem no mesmo tamanho em frente ao espelho da pia, e beijou sua testa com carinho.– Filha, põe sua mão no couro do meu cabelo – Maria segurou a mãozinha da filha e deslizou os dedinhos dela em sua cabeça – Está vendo? Quando meu cabelo cresce, fica cacheado também como o seu. Agora, olha nossa imagem no espelho.
Clarinha franziu a testa e Maria sorriu.
– Está vendo? Pois essa é a última vez que você verá nossos cabelos diferentes, meu amor. Eu prometo!
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Pequenas Artes
RandomEste livro é a União de escritores e aspirantes de vários estados do Brasil, que usaram sua criatividade e doaram suas obras para o projeto pequenas artes, com o único objetivo em ajudar instituições de caridade. Não podemos ficar parado e a União...