Parte 1
O grande momento da sua vida só é um grande momento quando acompanhado de uma boa música, aquela que toca em lojas de roupas ou nos aeroportos as nove horas da noite e seu corpo compreende a energia, produzindo dopamina. Não importa qual seja, ela só precisa existir para compor a histeria. Eu tinha isso trabalhado em mente, tinha comprado os fones dos meus sonhos na loja de eletrônicos onde meu primo trabalha, também aumentei minha coleção de tênis, agora são três tipos de azuis e dois tipos de verdes, espero que meus pais não me perturbem por gastar meu dinheiro à toa. As noitadas perdidas, os open bar ignorados, as sociais que deixei de ir, todo o dinheiro guardado no cartão de crédito e em meias que nunca uso serviram para alguma coisa, no final das contas. Como estava dizendo, eu tinha planos para esse dia, a música perfeita - Start Me Up do The Rolling Stones -, a roupa perfeita, as palavras que seriam ditas aos meus pais e a aglomeração de tios, primos e amigos mais próximos reunidos no quintal de casa; mas nada disso aconteceu. Eu recebi a notícia enquanto estava no cabeleireiro, agora tenho um cabelo de girino, a euforia e uma mão trêmula sumindo com três centímetros do meu topete. Choveu a noite toda e os cantos das ruas amanheceram alagados, onde prontamente, sem nenhuma outra opção, enfiei meu tênis novo e encharquei meu jeans enquanto corria para alcançar o ponto de ônibus. Meu bairro nunca pareceu tão distante como estava agora, e como filho caçula, sem carteira de motorista e meio de locomoção, eu gastei anos de orgulho próprio para chegar ao ponto de parada, sentindo o que restou do meu cabelo grudar na minha testa suada e a surra de lama formar uma crosta úmida e fedorenta abaixo do joelho. Não foi nada como eu imaginei. Puta merda. Mas estava acontecendo e isso era maior do que qualquer vergonha pública que eu estivesse pagando agora. Não importei que as pessoas checassem suas bolsas e os bolsos traseiros quando me viam passar, ou aquela senhora que apertou as sacolas no peito e saiu de onde estava para sentar no último assento do ônibus. Porra, eu estava feliz e realizado como nunca estive antes, um ano e meio para alcançar o que eu estava conseguindo agora. Só agora.
Meu celular vibrou o caminho inteiro. O resultado saiu publicamente, eu tinha colegas que haviam feito o mesmo vestibular que eu, então eles certamente checaram seus nomes e encontraram o meu dentre os classificados. Eu não era o primeiro da família a passar numa federal, mas era para o curso de Direito. Eles estavam comemorando por mim, meus colegas também. Recebi mensagens de duas me parabenizando, mas não as respondi porque não conseguia canalizar minha energia numa única função que não fosse segurar-me na barra de ferro e bater o pé esperando meu bairro chegar.
Levou-se oito minutos, eu contei no relógio de pulso, mas senti-me preso no espaço de tempo de quarenta dias. Eu podia ganhar um troféu pelo drama que estava fazendo, mas eu merecia, caramba!
Desci do ônibus pulando o último degrau e espirrando água da poça em duas uniformizadas de escola particular, as ouvi me xingar naqueles sotaques puxados de pessoas que passam um mês em São Paulo e voltam com os "erres" acentuados e gírias metropolitanas. Eu faço rir.
Meu bairro é como uma grande casa, todos os meus familiares moram perto, tem um chafariz no centro, porém não funciona há uns seis ou sete anos, nunca soube o porquê. Por isso que quando chego no portão da minha casa, ele já está aberto e a conversação é audível da esquina. Eu entro e sou abraçado varias vezes, não consigo deixar de sorrir e agradecer, embora não tenha tido tempo para reconhecer seus rostos. Acho que estou com febre, sinto-me fervendo, de um jeito bom. Meus pais estão na sala, estão servindo café e bolinhos de chuva quando apareço. Eu sou abraçado pela minha mãe primeiro e ali permaneço, depois sinto os braços do meu pai - primeiro o cheiro de madeira dele, ele é carpinteiro - em seguida minha irmã mais velha. Depois, deixo-me conversar com todos, falando por alto sobre o resultado; respondendo sobre o começo das aulas, as matrículas, o que precisa ser feito, até a parte impactante. Terei de ir embora. A federal é seis horas de distância daqui. Minha mãe está chorando.
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32 Semanas e Algumas Musicas
Romantik(baseado numa história real) Após conseguir uma vaga numa das melhores faculdades do Estado, o destino faz com que Caique conheça Yara, os empurrando para uma relação que tem tudo para não funcionar. *A história não é minha, é de uma amiga e estou p...