Parte Um
Eu não havia notado que precisava disso. Não havia notado que queria tanto beija-lá. Você de repente nega tudo e se surpreende quando a verdade vem consumindo do fundo do seu âmago, trazendo à tona os segredos que seu inconsciente foi capaz de esconder.
Contudo, beijar Yara não era satisfazer um desejo momentâneo, porque estar com ela não era resumir-se em amassos e mãos bobas: primeiro porque ela não me deixava toca-la que não fosse no limite de sua cintura. Isso é ok. Segundo, ela tinha uma boa conversa.
Uma conversa foda, se me entende.
Sentados no banco da praça em frente ao clube - não me pergunte como, mas decidimos que o show não era uma prioridade e viemos para fora -, eu me vi falando sobre coisas que nunca havia dito com tanta facilidade para alguém.
- Eu sinto muito. - Ela disse enquanto eu segurava seus dedos juntos aos meus. Eu gostava disso, de tocar, de prender minhas mãos em alguém, de sentir pele contra pele, o atrito, havia algo de humano nisso, de conexão, sentir o outro e gostar. Eu gostava de sentir a pele dela.
E, bem melhor do que apenas gostar, era saber que Yara me permitiu que o fizesse.
- Tudo bem. Já faz um tempo. Nunca contei isso a ninguém. - respondi.
Verídico.
Há um ano e meio, eu passei as férias na casa de um amigo, numa dessas cidades praianas. Tínhamos crescido juntos até que seus pais se mudaram e mantivemos contatos por mensagens e Facebook. Nas duas semanas que ali estive, parecia que ele continuara o mesmo. Bem, as pessoas mudam e talvez eu não estivesse preparado para mudanças, nunca estive, na verdade. Ou não pudesse ver, apenas. Então quando as atitudes dele vacilaram, os sinais começaram aparecer, eu não sei como fui rápido para impedir. Ele tinha ido ao banheiro. Por uns vinte minutos. Seus pais tinham ido ao mercado e eu estava entretido com vídeo game. Eu sempre fico avoado quando estou jogando, mas naquele dia eu o estranhei. Bati na porta e não houve resposta. Talvez ele quisesse ser socorrido, porque quando virei a maçaneta, ela estava aberta e meu amigo estava coberto de sangue.
O chão também.
Eu não soube o que fazer, mas obedeci meu instinto e o peguei no colo. Ele era mais magro do que eu, então pude levá-lo para fora daquele ambiente com facilidade, o coloquei no sofá e tremendo, talvez estivesse chorando, não me lembro dessa parte, eu liguei para mãe dele.
- Voce o salvou. - Yara interrompeu o silêncio. - Eu mesma não saberia o que fazer. Como ele está agora?
- A gente se fala, ele tá fazendo tratamento, entrou para a faculdade também. - olhei para uma placa de mármore a nossa frente onde continha o nome e o rosto entalhado de um homem, provavelmente alguém que fora importante para essa cidade. - Ele estava com muitos problemas e eu não percebi.
- Quase ninguém percebe, Caique, não adianta cobrar tanto de você por algo pelo qual não estava preparado. Você fez muito. E ainda faz.
Alá o jeito maduro dela. Sereno. Como brisa após tempestade.
Eu sorri para ela. Yara inflava meu ego, me deixava meio que flutuando, embora pudesse, ainda, sentir o chão quando me desse vontade.
- Ok. Melhor falarmos de outra coisa... Meu primo disse que você estava morando fora. Aonde?
Ela desembaraçou nossos dedos para mexer no cabelo.
- Curitiba. - respondeu. - Meu pai tem um irmão lá, então passei uns meses quando passei na faculdade.
- Enfermagem né? - descobri que ele passou numa pública. - Então você voltou... Vai ficar?
- Eu gosto de enfermagem - ela entorta os lábios - mas não era o que eu queria, então eu tentei para Medicina Veterinária e passei. Por isso voltei.
Tomo um alívio.
- Serio? Que legal. Parabéns. - nós trocamos uns sorrisos. - Então você vai ficar?
Tento não parecer suplicante. Nem sou. Apenas foi uma contestação.
- Aham. - murmura. - Já trouxe minhas coisas todas. Isso aqui meio que foi um bem-vinda de volta.
Eu sorrio.
- Eu sei que ajudei em 98% nesse bem-vinda.
- Olha, eu tinha colocado uns 37% porque você até que é bonitinho, mas depois dessa baixou para 12%.
Eu rio. Jogo a cabeça para trás e sinto os ombros tremerem. Quando volto, ela tem um sorriso inconsciente nos lábios, daqueles que você está sorrindo e nem percebe. Depois, movimenta os olhos na minha direção.
- Eu estou aqui há um mês... Como a gente nunca se viu?
- Eu tenho estudado muito. - digo. - Não é estranho que a gente nunca tenha se visto.
- Mas teu primo... Ele tá com minha irmã há uns seis meses, é muito estranho eu nunca ter ouvido falar de você.
- Estamos quites.
Ela volta rir. Antes que o silêncio comece a coçar dentro de nossas mentes, ela pergunta:
- O que você vai fazer depois daqui?
- Daqui aonde?
- De hoje. Sei lá. - parece que ela não pensou muito sobre o assunto, apenas disse a primeira coisa que veio a sua mente.
- Provavelmente vou dormir. - ela ri. - Sério. Não tenho dormido direito tem um bom tempo. E você?
- Eu não sei. Não pensei nisso. Só falei a primeira coisa que veio a cabeça. - ela ri e minhas suspeitas são confirmadas.
Por instinto, eu abraço seus ombros - meu braço já estava encostado no banco para que pudesse apoiar as costas - e nos beijamos. É um beijo lento, mas vai crescendo, Yara levanta o dedo e toca meu queixo. Eu a abraço um pouco mais e completamos os centímetros que nos faltavam. Ela tem cheiro agridoce por conta do perfume, ele tem um cheiro forte, mas suave no final das contas e eu não sei como especificar mais do que isso. Ela tem um cheiro bom, é isso. E um toque gostoso. Yara sabe como usar as mãos no meu cabelo e principalmente os lábios. Ela brinca com os meus. Eu devolvo a brincadeira. E ficamos nesse dar e receber por um longo tempo até que a minha garganta treme, eu baixo o rosto e cheiro o espaço entre seu cabelo e a nuca. Yara abraça meus ombros com mais força.
Nesse meio segundo sentindo um ao outro, eu sussurro:
- Queria ter te conhecido antes.
Ela não diz nada. Não diz porque não entendeu. Mas assim é melhor. É o melhor para nós dois.
Nota da autora:
Que vocês tenham tido um feliz ano novo!!!!Prontos para a segunda parte?
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32 Semanas e Algumas Musicas
Romance(baseado numa história real) Após conseguir uma vaga numa das melhores faculdades do Estado, o destino faz com que Caique conheça Yara, os empurrando para uma relação que tem tudo para não funcionar. *A história não é minha, é de uma amiga e estou p...