Quinto Capitulo

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Parte Dois

As malas estão sobre a minha cama. Ela é de solteiro, assim como o quarto inteiro. Um guarda-roupa, uma escrivaninha, um espelho que toma o restante da parede, a janela e a porta. É um quarto pequeno, mas aconchegante como disse minha mãe. Não é estranho estar longe de casa, nunca me prendo a lugares, nunca criei muito laços às coisas, sempre compreendi que tudo que podemos tocar é uma forma de experiência, então quantas mais tivermos, melhores versões de nós mesmos criaremos.

Meus pais e minha irmã estão vendo o restante da casa e o pessoal. Estou dividindo o apartamento com dois garotos que conheci junto com o planejamento da faculdade. Aparentemente são legais, mas não fazem o mesmo curso que eu. Diego está fazendo biologia e Antônio inglês. Não sei muito sobre eles, mas que também não são daqui, um veio de São Paulo e o outro da Bahia.

- Aqui tem uma vista legal. - minha irmã disse espremendo o rosto contra o vidro da varanda. - Da pra ficar aqui de boa.

Eu só digo que sim, estou meio cansado da viagem e precisando dormir. Da outra vez fora mais divertido. Meus pais fazem alguns complementos, a maioria por parte da minha mãe e eles precisam se despedir. Começo cedo amanhã e sabem disso. Viemos visitar a cidade no começo da semana, depois do festival de sertanejo. Nós turistamos o dia inteiro quando ficamos livres das últimas documentações da matrícula. Demorou mais do que o esperado porque eu tinha feito uma requisição de alojamento e aqui estou eu com dois caras e um aluguel de graça.

- Vou vim aqui pelo menos uma vez por mês. - é um aviso que não pode ser confundido com um pedido. - Você sabe o que quer, então não mude essa sua cabeça por conta de amizades ou diversão. - minha mãe se aproxima e enche sua mão com meu rosto. - Seja o garoto que criei.

- Tá bom mãe, eu serei.

Ela me da um abraço, complementa com alguns avisos maternos e nos despedimos. Eu fico na porta até o carro dobrar a esquina. É estranho estar quatro horas de distância de casa, mas, ao mesmo tempo, natural. Como um gosto que já experimentei ou que não desagrada. Vejo isso como uma oportunidade não acompanhada com um porém.

Antônio está esparramado no sofá agora que minha família foi embora.

- Sua irmã - ele começa.

- Nem pense.

Há algumas coisas que deixo claro para meus amigos: eles não têm acesso livre para se aproximarem da minha irmã só porque são meus amigos. Julia é mais velha do que eu dois anos, mas não é informação suficiente para que eu permita que qualquer cara chegue até ela. Eu sei que não posso proibi-la deles, ela tem seus contatos, eu prefiro investigar por fora e dar minha cartada final, mas se eu tiver a oportunidade de evitar antes, então eu farei. Não sinto vergonha em admitir isso.

- O que você vai fazer? - ele decidiu que era mais sensato mudar de assunto.

- Terminar de ajeitar meu quarto, eu acho. Dar uma revisada nos assuntos, algo assim.

- Jesus - ele aumenta o som da TV. - você é mais nerd do que o Diego.

Esse é máximo de diálogo que chego a ter com Antônio até o fim do dia.

Levo muito tempo da tarde e um pouco do começo da noite para organizar meu quarto e os títulos dos assuntos que cobrarão nesse primeiro semestre. Eu me informei com alguns amigos sobre os melhores livros para o estudo da Teoria Geral do Estado, mas eles me disseram que os professores sempre indicam um autor correspondente, então preferi deixar isso para última hora. Meu preocupação recai apenas para livros básicos do primeiro semestre como O Caso dos Exploradores de Caverna, já comprado antecipadamente. Eu comecei a lê-lo, é um livro curto, mas deixei para terminá-lo quando as aulas começarem.

Eu termino minhas coisas e Diego bate à porta falando que Antônio fez macarrão. Acho que é a especialidade dele porque no dia da matrícula eu vim conhecê-los e ele estava, justamente, ocupado fazendo macarrão. Nós três sentamos no sofá para assistir um programa de pesquisas do Discovery que eu não sei como Antônio pode achar interessante. Eu apoio o prato na coxa e com a mão livre eu arrasto o feed do Instagram. Passo três minutos aleatoriamente rindo de memes na internet antes de ir para o Whats App. Eu tenho algumas mensagens para responder, principalmente de alguns amigos meus, que cresci junto, mas eu rolo a página e quase no final, eu deixei salvo Yara Lucena. A última visualização foi minha, então eu escrevo:

Caique [19:33]:
Oie!

Ela não está online. Não temos no falado há uma semana, desde a festa, desde que disse que queria ter conhecido ela antes. Não entendo porque fiz isso, mas fiz. Estava interessado e é apenas uma conversa. Pessoas conversam. Eu vi algumas fotos dela no Instagram recentemente curtindo com as irmãs e umas amigas, isso me aguçou um pouco. Me cutucou bem no interior. Ela estava se divertindo e isso é bom, não tenho nada a ver com isso. Só quero conversar. Manter o contato. Yara não parece com a imagem que você tem dela por fora e quando a conhece, não é como se você esbarrasse com uma dessa todo o instante. Ela é diferente ao ponto de me deixar curioso e quase nada me deixa curioso, se tem algo que eu me vanglorio o tempo todo é de como as coisas normalmente não me afetam, eu estou sempre calmo, as coisas irão acontecer ou não, isso é fato, não tenho que me perturbar por conta disso. Exceto ela. Ela não disse mais nada depois da nossa conversa do dia seguinte e parecia que não se importaria de perder meu contato. Isso fere o orgulho que sempre tive intacto.

Talvez eu não devesse ter dito nada.

Seria mais fácil.

Meu celular vibra. O prato já está vazio tem uns 10 minutos mas eu não me levantei do sofá por preguiça. Antônio está deitado com o dele sobre a barriga também e Diego sumiu faz um tempo. Na verdade nem sei como isso aconteceu.

É uma mensagem dela.

Yara Lucena [19:59]:
Oi!!!

Caique [20:01]:
desculpe não ter falado antes. As coisas estão meio corridas pra mim.

Yara Lucena [20:05]:
Ahh, tudo bem, sem problema :)

Levanto-me, vou até a cozinha e limpo o prato que usei. Deixo escorrendo e volto para a sala.

Caique [20:11]:
Eu não estava na cidade. Eu já estou fora.

Yara Lucena [20:16]:
Já? Como é aí?

Eu falo sobre o clima primeiro. Depois sobre a cidade no geral. Falo que turistei e que as pessoas têm sotaques, que elas preenchem a boca com R e S que enchem o saco. Ela é fácil de conversar depois de um tempo, é um esforço para começar, mas depois, ela está interessada em tudo que você faz e é uma das coisas que começo a gostar sobre ela. Quando as horas batem nove, eu digo que preciso ir, que amanhã começam as minhas aulas e ela me deseja sorte.

Eu acho que vai ser assim. Eu acho que a gente pode continuar conversando, não tem problema nisso, não estamos presos numa regra. As pessoas conversam e se conhecem.

Além disso, ela é alguém que eu quero muito manter contato.

Apenas não sei dizer o por quê.

32 Semanas e Algumas MusicasOnde histórias criam vida. Descubra agora