Vou contar-te uma história. Não sei ao certo se é baseada em fatos concretos, ou apenas surgiu inspirada em alguma experiência, mas até hoje é contada por muitos, principalmente durante o cair das folhas secas, no outono.
Havia um cara de cabelos brancos como a neve, que usava roupas pesadas, de tecidos grossos. Seus cabelos lisos tocavam levemente, de forma graciosa, o contorno do seu rosto que apresentava um olhar sempre fechado e distante. Tal figura sempre vinha para anunciar o inicio do inverno, puxando uma carroça velha com uns amontoados de neve em sua bagagem. Montado em seu cavalo negro, de pernas fortes, e crinas da cor de gelo, ele passava calmamente pelas trilhas dos bosques. Sempre cumpriu seu trajeto sem interrupções. Distraído, ou talvez concentrado demais para notar as coisas ao seu redor. Ele não via a beleza no canto dos pássaros, ou se quer percebia os diversos animais entrando em suas tocas, muito menos sentia prazer em ver as folhas laranjas caindo vagarosamente, a cada segundo, com o soprar do vento. Mas, certa vez, algo diferente, um dia, aconteceu.
Ele notou que seu cavalo estava mancando. Logo desceu para examina-lo e assim ao ver que o animal não teria como prosseguir, demonstrando tamanha frieza e indiferença, decidiu seguir o trajeto daquele ano caminhando com seus próprios pés.
Ao afastar-se um pouco do local, sem que ele percebesse, logo uma garotinha curiosa aproximou-se da carroça e do cavalo que havia sido deixado pelo rapaz de cabelos embranquecidos. O Belo animal de pelagem negra, meio acoado, ficou relutante em vê-la ali, porém algo na presença dela o tranquilizou de imediato. A garotinha chegou então até ele de forma cuidadosa, transmitindo um olhar sereno e doce. Sorrindo amigavelmente, ela acariciou seu focinho e o ofereceu uma maça bem suculenta, que foi rapidamente devorada pelo animal. E assim, de forma repentina, o cavalo sentiu o sarar de sua pata machucada. A garotinha, que tinha cabelos castanhos e compridos, que voavam ao bater do vento frio, logo o montou e, seguindo pela trilha, puxou a velha carroça. Ao vira-se para averiguar o que havia na carroçaria, a garotinha ficou maravilhada ao ver os flocos de neve amontoados em pequenos montes. Era um branco que brilhava como o mais lindo dente de leão, ou a mais bela das nuvens que já havia visto. Então, rapidamente, de forma animada, ela pulou das costas do cavalo para a carroça. Logo, tocou curiosa num dos poucos montes que estavam ali, mas ao fazê-lo, levemente toda a neve desapareceu como um passe de mágica. Não conformada com o que havia acontecido, e ainda curiosa, a garotinha tocou outro mote, que estava ao lado, e, assim como o primeiro, também desapareceu com um simples encostar de seu dedo indicador.
Chateada e entristecia, voltou sua atenção a trilha pela qual passava. Então notou que estava ultrapassando um jovem de cabelos brancos, aparentemente distraído. Ela, travessa, arremessou nele uma maça, mas o fruto apenas passou através do jovem. Espantada, tentou chamar sua atenção, falando alto e chamando por ele, porém nada adiantou. Ele não podia vê-la, ouvi-la ou toca-la. O rapaz, por sua vez, reconhecendo seu cavalo e a carroça que ele trazia, voltou a monta-lo. Espantada com aquilo tudo, a garotinha, depois de fazer mais algumas tentativas de contato, concluiu que não podia tocar, nem ser ouvida por tal rapaz, mas que por alguma razão ela conseguia vê-lo.
A pequena menina de cabelos acastanhados sempre surgia nos bosques quando os frutos começavam a ficar maduros e as folhas começavam a perder sua coloração esverdeada. Quando os dias ficavam curtos e mais frescos e os animais preparavam-se mais uma vez para o frio vindo com a mudança da estação.
Ela nunca havia visto alguém naquele bosque antes, além dos animais e arvores, por isso apreciou a semelhança física entre ela e o rapaz da carroça. E assim, mesmo que ele não pudesse a ver, ela aproveitou a viagem, secretamente, ao seu lado.
O cavalo, diferente do rapaz, podia vê-la e escuta-la, pois havia visitado, estado, num breve passado, e por isso, quando ela arremessava frutos para alimenta-lo, ele os devorava, abaixando muitas vezes a cabeça e reduzindo o ritmo de seu galopar. Em certo trecho do caminho, a garotinha decidiu descer da carroça para brincar com o animal e mais uma vez o agradou com outro belo fruto.
O rapaz de cabelos brancos, contrariando seu comportamento normal, percebeu que havia algo de diferente no comportamento de sua montaria. Ele viu que seu cavalo estava constantemente reduzindo seu ritmo, parando para comer algo e assim avistou, surgido do nada, um fruto sendo atirado ao chão, próximo do focinho do animal. Ao Testemunhar isso ele, de repente, pôde ver a garotinha ali, parada acariciando o focinho de seu companheiro de quatro patas. Espantou-se ainda mais ao enxerga-la vindo em sua direção, e, com um grito, pulou pra trás, para a carroça.
A garotinha e o cavalo olharam um para o outro e assim riram do jovem que os espiava de maneira desajustada.
Ela, assim como havia feito quando encontrou a carroça e o cavalo pela primeira vez, chegou amistosamente com um belo fruto em mãos e ofereceu para o rapaz, que ela logo apelidou ao dizer bem baixo "Cabelos brancos". Ele, por sua vez, não aceitou o fruto. Mas ela insistiu com o olhar, porem, mais uma vez, ele recusou. O cavalo olhava incompreensivelmente para aquele gesto. A garotinha pensou que ele ,''os cabelos brancos'', estava sendo grosseiro em recusar tal presente, entristecendo-se ao pensar que era desejo dele que ela se afastasse. E assim, ela estava disposta a fazer, quando que, de forma súbita, ao virar-se em direção ao bosque de teto alaranjado, ela ouviu uma voz calma.
" É para você! Não vai prova-lo?"
Ela estremeceu ao ouvir. E então entendeu que ele apenas queria que ela pudesse desfrutar do alimento que havia oferecido.
Então, com seus próprios, e finos, dedos, ela partiu a maca ao meio. E ofereceu uma das metades para o misterioso rapaz.
Ele mastigou o fruto, mas quase engasgou-se, e quando desentalou, disse:
"Tempos frios me cercavam. Eu caminhava pensando somente em alcançar meu objetivo ao qualquer custo. Entretanto, ao ver meu cavalo, que, por acaso, eu mesmo havia abandonado, vindo saudável ao meu encontro, não entendi bem como, mas ao enxerga-lo, percebi que havia deixado para trás a única coisa que realmente tinha, aquilo que sempre esteve a meu lado. E foi você quem o trouxe de volta. Graças a ti pude perceber o erro que tinha cometido, por isso ti agradeço imensamente."
"Então quer dizer que posso seguir com vocês?"
"É claro que pode!"
E assim os dois seguiram pelo trajeto no bosque alaranjado.
Depois de algum tempo, em determinado ponto do trajeto as arvores todas já estavam nuas e a neve começou a surgir do céu, foi quando a garotinha, maravilhada, desceu da carroça para brincar com eles.
"Sempre quis alguém para brincar comigo! Os animais são ótimas companhias, mas quando a neve caia, já prestes ao anoitecer, eles desapareciam e eu acabava sempre sozinha e adormecida."
"Então vamos aproveitar! Que tal vermos quem pega mais flocos de neve?!"
Eles brincaram juntos por alguns curtos minutos, divertiram-se como nunca haviam antes, mas a garotinha logo adormeceu. O rapaz de cabelos brancos carregou-a nos braços e a deixou de forma cuidadosa numa toca, feita num tronco de uma grande e bela arvore.
Ele seguiu o mesmo caminho de sempre, atravessando o final do bosque entre o fim do outono e o inicio do inverno, mas nunca mais foi o mesmo depois daquele, casual, encontro. Desde então carregava consigo agora um leve sorriso no rosto.
A cada ano que passou, os dois encontraram-se na trilha para brincarem e desfrutarem da companhia um do outro, mesmo que por um breve período de tempo, entre as ultimas folhas laranjas e os primeiros flocos de neve.
Fim !
- Uau! Tico! Não foi mesmo uma boa história ? - A garota sorriu ao marcar a pagina do livro que lia com uma bela folha seca, antes de fecha-lo.
- Miau ! - Seu gatinho apenas miou para ela, como se pudesse mesmo concordar.
- Um gesto gentil pode mesmo mudar tudo! As vezes coisas simples mudam toda uma paisagem! Como as folhas de outono, que aparecem voando em nossos caminhos, fazendo nos sentirmos um pouco menos sozinhos e os flocos de neve que nos fazem lembrar que tudo é passageiro. Portanto, precisamos saber aproveitar os dias quentes e nos lembrar de se aquecer bem nos dias frios, logo há de vir uma nova primavera, um novo motivo pra sorrir. - E assim, com o soprar do vento frio, a garota, muito contente com a historia que tinha lido, pegou seu pequeno gatinho nos braços, fechou a janela de sua sacada, e afastando-se dali seguiu para aquecer-se no aconchego de sua casa.
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Os Apólogos Perdidos do Tempo
Cerita PendekSe um dia você se encontrasse com o Tempo, o que será que ele lhe contaria? Se pudesse perguntar algo, qual seria sua pergunta? Você tem aproveitado seu tempo com aqueles que realmente são importantes? Tem feito as escolhas certas para validar seu t...