Wisty

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Ele deu um sorrisinho sarcástico para Whit, apesar de, em situações normais, meu irmão ser capaz de erguer aquele idiota e torcer o pescoço dele como o de uma galinha. Acho que não é difícil ficar se achando quando se tem dois soldados armados à disposição.
—Wisty tem razão. É loucura demais! —meu irmão respondeu, exaltado. Seu rosto estava vermelho, seus olhos azuis brilhavam de raiva.
—Essa coisa de bruxaria não existe! Contos de fadas são um monte de besteira. Quem você pensa que é, seu cara de doninha? Um personagem de Gary Podre e a Ordem dos Idiotas? Meus pais pareciam horrorizados, mas nada surpresos. Então, que diabos estava acontecendo? Comecei a me lembrar de umas aulas meio estranhas que nossos pais tinham nos dado quando éramos crianças. Eles falaram sobre plantas, ervas e o clima (sempre o clima), e como se concentrar, como focar em algo. Também nos ensinaram um monte de coisas sobre artistas que nunca tínhamos estudado na escola, como Wiccan Trollack, De Glooming e Frieda Halo. À medida que fui ficando mais velha, comecei a achar que meus pais deviam ser, sei lá, meio hippies. Mas nunca tinha questionado aquilo. Será que aquelas aulas e tudo mais estavam, de alguma forma, relacionadas com esta noite? Byron olhou calmamente para Whit.
—De acordo com o Código da Nova Ordem, vocês podem levar um objeto da casa. Eu não concordo, mas se isso é o que a lei diz, a obedecerei, é claro. Sob o olhar observador dos soldados vestidos de cinza, minha mãe foi rapidamente até a estante de livros. Ela hesitou por um momento, olhando de relance para o meu pai. Ele fez que sim com a cabeça e então ela pegou uma baqueta antiga que sempre tinha ficado naquela prateleira. Dizia a lenda da família que meu avô, um cara muito louco na época dele, tinha subido ao palco no meio de um show dos Groaning Bones e arrancado a baqueta da mão do baterista. Minha mãe a estendeu para mim.
—Por favor... —ela disse, quase choramingando. —Pegue-a logo, Wisteria. Leve a baqueta.
Te amo tanto, querida! Em seguida, meu pai esticou o braço para pegar um livro sem título na lombada. Nunca o tinha visto. Era tipo um diário e estava na estante ao lado da poltrona de leitura dele. Colocou o livro nas mãos do Whit.
—Eu te amo, Whit —ele disse.
Uma baqueta e um livro velho? Que tal um tambor também? Eles não podiam nos dar alguma herança de família ou algo vagamente pessoal para nos dar uma força? Ou talvez a pilha gigantesca de porcarias não perecíveis do Whit para matar aquela vontade de comer doce? Nem um segundo daquele pesadelo fazia o menor sentido. Byron pegou das mãos do Whit o livro caindo aos pedaços e o folheou.
—Está em branco! —ele disse, surpreso.
—Isso mesmo! Como a agenda da sua vida social —Whit respondeu.
  Às vezes ele é bem engraçado, isso eu tenho que admitir, mas sua capacidade de esperar pelo momento certo para fazer uma piada ainda deixa um pouco a desejar. Byron bateu com o livro no rosto de Whit e sua cabeça foi jogada para o lado como se fosse girar. Whit arregalou os olhos e partiu para cima de Byron, mas foi bloqueado pelos corpos dos soldados no mesmo instante. Byron ficou atrás dos soldados enormes, com um sorrisinho malicioso nos lábios.
—Levem os dois para o furgão! —Byron ordenou e os soldados me pegaram de novo.
—Não! Mãe! Pai! Socorro! —berrei e tentei me soltar, mas era como tentar sair de uma gaiola feita de aço.
Braços duros como pedra me arrastaram em direção à porta. Consegui virar o pescoço e olhar para os meus pais pela última vez, marcando a ferro e fogo na minha memória o terror no rosto deles, as lágrimas em seus olhos. E, bem naquele momento, me senti envolvida por uma brisa, como se um vento forte e quente estivesse soprando contra mim. Imediatamente, o sangue subiu para a minha cabeça e o suor pareceu pular da minha pele e fritar até virar vapor. Ouvi um zumbido ao meu redor e então... Você não vai acreditar, mas é verdade. Eu juro! Eu vi e senti chamas enormes explodirem de cada poro do meu corpo.
Ouvi gritos de puro pavor vindo de tudo quanto é canto, até mesmo dos soldados, enquanto eu mesma observava, embasbacada, as línguas laranja e amareladas que saíam de mim. Se você acha isso estranho, então veja só: depois daquele primeiro momento, não senti calor. E quando olhei para as minhas mãos, elas ainda estavam com cor de pele, e não vermelhas, nem chamuscadas. Na verdade, foi... bem legal! De repente, um dos soldados jogou em mim um vaso com flores da minha mãe. Fiquei ensopada e as chamas desapareceram. Perto de onde os soldados tinham me largado, os capangas de Byron Swain estavam pisando nas chamas das cortinas e também em alguns pontos chamuscantes do carpete. Logo em seguida, o próprio Byron, que aparentemente tinha saído correndo da casa durante minha imolação, reapareceu à porta com o rosto levemente verde. Ele apontou um dedo trêmulo e magrelo para mim.
—Viu? Viu? Viu? —ele berrou com a voz rouca. —Prendam a menina! Atirem nela se tiverem que fazer isso. Façam o que for preciso! De repente, fui tomada pela sensação horrível, dessas de dar nó no estômago, de que aquela noite teria sido inevitável e que já estava programada para fazer parte da história da minha vida. Não tinha a menor ideia de por que estava pensando naquilo nem do que significava exatamente.

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