Eu estava começando a achar que aquele pesadelo horrível estava acontecendo de verdade e, agora, eu nem teria mais o conforto de passar por tudo aquilo no meu velho pijama cor-de-rosa. Eles nos fizeram vestir um macacão cinza e listrado de prisão, que parecia relíquia da Segunda Guerra Mundial. O macacão do Whit ficou bom nele, acho que ele é do tamanho padrão dos prisioneiros, mas o meu ficou tão largo que parecia a vela de um veleiro em um dia sem vento.
Meu pijama fofo era a última conexão que tinha com a minha casa. Sem ele, a única lembrança da minha ex-vida era a baqueta.
A baqueta. “Por que uma baqueta, mãe?”, pensei. Eu já estava com saudade dela e senti uma ansiedade profunda ao pensar no que tinham feito com nossos pais.
—Não puxe o braço dela assim! —Whit falou para o guarda. Ele tinha razão. Senti como se meu braço fosse desencaixar do ombro.
— Cale a boca, bruxo! — o guarda mal-humorado rosnou de volta e nos arrastou por mais um portão eletrônico em que estava escrito “PROPRIEDADE DA NOVA ORDEM”. Entramos em um salão enorme, com uns cinco andares de altura, cercado por todos os lados com jaulas e celas com barras.
Para criminosos.
E nós. Eu e meu irmão. Dá para imaginar? Não, provavelmente não dá. Como é que alguém bom da cabeça poderia imaginar isso?
Uma das portas das celas se abriu e os guardas me jogaram lá dentro. Eu caí e bati os joelhos e as mãos com tudo no chão de cimento.
—Wisty! —Whit gritou enquanto eles o arrastavam em frente à minha porta, que se fechou imediatamente. Encostei o rosto nas barras, tentando ver para onde estavam levando Whit. Eles o jogaram na cela ao lado da minha.
— Wisty, tudo bem? — Whit me chamou logo em seguida.
— Mais ou menos — eu disse, examinando meus joelhos machucados. — Só se eu puder mudar totalmente o sentido de “tudo bem”.
— Nós vamos sair daqui — ele disse. Eu podia ouvir coragem e raiva na voz dele. — Isso tudo é só um erro idiota.
— Au contraire, meu amigo inocente — disse uma voz vinda da cela do outro lado de Whit.
— O quê? Quem é você ? — Whit perguntou.
Eu me esforcei para ouvir.
— Sou o prisioneiro número 450209A — disse a voz. — E, acredite em mim, não é erro nenhum. E eles não se esqueceram de ler os direitos para vocês. E eles não vão lhes dar um advogado, nem o direito de fazer uma ligação. E a sua mamãe e o seu papai não vêm buscar vocês. Nunca. E isso vai levar bastante tempo.
— O que é que você sabe sobre isso?! — gritei.
— Olha só, quantos anos você tem? — a voz perguntou.
Quase dezoito — Whit respondeu. — E minha irmã tem quinze.
— Bom, eu tenho treze anos — ele disse —, então vocês vão se enturmar rápido aqui.
Olhei para todas as células do pavilhão. Vi um monte de rostos, uma criança mais assustada do que a outra. Todas vestindo uniformes grandes demais.
Parecia que aquela prisão estava cheia de crianças e de mais ninguém.
— É, as crianças são maioria aqui mesmo agora — disse a voz vinda da cela. — Faz nove dias que estou aqui; eu fui um dos primeiros. Mas, nos últimos três dias, esse buraco de rato está ficando cheio rapidinho.
— Você sabe o que está acontecendo? — Whit perguntou em voz baixa, para não atrair a atenção de algum guarda.
— Não sei muito, não, jefe. Mas ouvi alguns guardas falando sobre uma limpeza geral — a voz respondeu em tom baixo, mais perto das barras. — Vocês se lembram de ouvir falar sobre a Nova Ordem?
— Sim — entrei na conversa —, mas não estava prestando muita atenção.
— Tá, então você estava morando dentro da sua cabeça... Um lugar escuro e horrível — disse a voz. — Mas, se serve de consolo, o resto do país também não estava nem aí. Olhem só: a Nova Ordem é um partido político que vem ganhando todas as eleições. Agora estão no poder. Em alguns meses, eles acabaram com o governo antigo e instituíram o Conselho dos Únicos. Já ouviram falar dele? O Único No Comando , O Único Que Julga, O Único Que Prende, O Único que Atribui Números, O Único Que é O Único, blá-blá-blá.
— Tá , então é a Nova Ordem. Política — disse Whit. — O que isso tem a ver conosco?
— Eles são a Lei e eles são a Ordem, amigos. Eles são Os Únicos que nos colocaram aqui e são Os Únicos que decidem o que fazer conosco.
—Mas por que eles estão fazendo essas coisas terríveis contra menores? —falei alto de novo.— Porque respondemos na lata? Porque somos difíceis de controlar? Porque temos imaginação? Porque ainda não passamos por essa lavagem cerebral? Quem sabe? Por que você não pergunta para O Único Que Julga... durante o seu julgamento?
Eu me apertei contra as barras com toda a força, tentando enxergar Whit. — Julgamento? Mas qual julgamento? — perguntei. — Vamos ser julgados? Pelo quê?
Tum!
Um guarda se aproximou de fininho, agarrou meu braço através das barras e o torceu com tudo.
— Se você continuar conversando com os outros prisioneiros , vai para a solitária! — ele grunhiu.
Deu outra torcida forte no meu braço e riu como um vilão maluco de desenho animado antigo. Fiquei com tanta raiva que queria arrebentar aquelas barras e dar um chute bem na garganta dele; de repente, uma onda elétrica percorreu o meu corpo.
Uh-oh!
Quando dei por mim, estava olhando para o guarda através de uma cortina de chamas. Chamas estavam saindo de... mim. De novo.
— Ah! — o guarda berrou quando a manga e uma das pernas da calça de seu uniforme pegaram fogo. Ele saiu correndo, pegou um extintor e tomou um banho com aquela espuma enquanto um grupo de seus amiguinhos vinha em direção à minha cela.
— Wisty! —Whit berrou. — Fica agachada!
Cobri o rosto com as mãos e fiquei encharcada com a espuma sufocadora de chamas. Correção: espuma sufocadora de Wisty. As chamas se extinguiram de repente e eu fiquei parecendo uma árvore de Natal coberta de flocos de neve, ou uma torta de limão, ou uma boneca de neve zumbi com cabelo ruivo.
—Chega de truques! —disse o guarda, com a voz rouca. —Você vem comigo.
Quatro guardas da Nova Ordem com cassetetes e armas paralisantes vieram marchando e me pegaram pelos braços, me arrastando da cela para o corredor. Outros quatro caras nojentos estavam abrindo a cela de Whit.
Quando os guardas nos jogaram em uma sala com uma placa em que estava escrito “INTERROGATÓRIO”, eu estava prontinha para mostrar para O Único Que Interroga por que é que eu tinha duas semanas de detenção disciplinar para cumprir na escola. Mas, quando a porta se abriu, era só aquele imbecil do Byron Swain de novo, seguido por um par de guardas.
— Ficou com saudade de mim? — perguntou com um sorriso que me deu vontade de vomitar.1158
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bruxos e bruxas
Science Fictionos irmãos Allgood estão encarcerados nesse pesadelo e, para escapar desse mundo de opressão e medo, terão que contar um com o outro e aprender a usar a magia