Wisty

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Enforcamento até a morte?
“Isso não está acontecendo de verdade”, pensei.
Comecei a ouvir um zumbido. “Isso não pode ser verdade. Esse tipo de coisa não acontece. Isso tem que ser um pesadelo.”
Meu coração ficou apertado. A sala começou a ficar verde. E embaçada. Então, ouvi a voz de Whit. Como se estivesse vindo até mim por um túnel bem comprido. Finalmente, ele me chacoalhou pelo ombro.
— Fica firme, Wisty... — ele disse em voz baixa . Eu pisquei e enfoquei o rosto dele. — Te amo.
Fiz que sim com a cabeça. Whit não se achava especial, mas suas palavras foram como um santo remédio para me dar força. Consegui respirar de novo.
— Também amo você — sussurrei. — Mais do que eu sabia.
Respirei fundo e me preparei para o que o juiz Raiwa ia dizer em seguida.
— Infelizmente, as execuções não são permitidas até que o criminoso atinja os 18 anos de idade.
Meus ouvidos começaram a zunir de novo e a visão embaçada também voltou.
Whit ia fazer 18 anos em menos de um mês!
Fiquei pensando por que não estava de cabeça quente, nem com vontade de soltar uns raios. Eu queria tanto atacar aquele juiz que até doía.
—Portanto, vocês dois ficarão na penitenciária do Estado... —ele continuou, em tom grave, e então sorriu e completou: —... por enquanto.
Acenou com a cabeça para o guarda na sala e disse:
— Leve esses dois para longe da minha vista!
Os guardas nos tiraram da jaula meio sem jeito , eu preciso dizer, já que Whit estava se debatendo como um animal raivoso.
— Você está cometendo um erro terrível! — ele berrou . — Isso é loucura! Você vai perder sua licença de advogado! Isso é contra a lei!
— Cale a boca, feiticeiro! — o juiz gritou e, de repente, arremessou seu martelo para cima do Whit.
Whit levantou as mãos algemadas e então...
O martelo ficou ali, parado no ar por uns cinco segundos, a uns 15 centímetros do rosto de Whit, e caiu com tudo no chão.
O tribunal ficou em silêncio completo por um momento. Em seguida, o caos tomou conta do lugar. Vozes cheias de raiva gritavam:
— Bruxa! Bruxo! Matem os dois! Executem os dois!
Eles estavam falando de nós, né? Wisty e Whit. A bruxa e o bruxo.
A ladainha cheia de ódio da multidão que estava no tribunal invadiu nossos ouvidos enquanto eu e Whit éramos arrastados e jogados em um corredor estreito e comprido, em meio a uma multidão de estranhos, todos com sede de sangue, do nosso sangue.
Esse sim é um jeito de matar toda a fé que temos na humanidade.
Até alguns dias atrás, parecia que a pior coisa que poderia acontecer comigo era acordar com uma espinha enorme no rosto no dia de tirar foto para o anuário da escola . Como é que a vida que eu conhecia podia ter mudado tão rápido e ficado tão bizarra? Meu irmão e eu tínhamos acabado de ser condenados à morte.
Essa palavra horrorosa, “execução”, ficou martelando dentro da minha cabeça e me perdi em pensamentos enquanto éramos enfiados em outro furgão.
Pensei em todas as pessoas sobre as quais aprendi na escola que tinham sido executadas ou assassinadas. Consegui me lembrar de pelo menos umas 12. Mas eram todos líderes políticos ou religiosos. E eu era só a Wisteria Allgood. Eu não era poderosa o bastante para assustar as pessoas. Era? Eu não era heroína , profeta, santa, nem líder de nada. Toda essa situação não fazia o menor sentido.
E, então, mais uma coisa terrível. Chocante. Algo que me fez mudar de ideia sobre o pior que poderia me acontecer.
Enquanto estávamos naquele furgão fedido, passando pela cidade, ficamos com o rosto colado numa janelinha minúscula, desesperados para sentir a luz do sol, vendo as ruas passarem por nós, vendo soldados. Soldados por toda a parte.
Até vermos uma placa nova sendo instalada por uns operários.
Procurados por traição e prática criminosa das artes abomináveis
Sob estas palavras, estavam fotografias em preto e branco dos nossos pais.
E, então, para enfiar o dedo na ferida mesmo, terminavam a mensagem com:
                   Vivos ou Mortos!
— Eles fugiram — Whit sussurrou. — Eles estão por aí, em algum lugar. Vamos encontrá-los, de qualquer jeito!
Quando o furgão preto e feio da Nova Ordem finalmente parou, estava chovendo forte e o vento uivava. Estávamos parados em frente a outro prédio grande, dessa vez com paredes altas de pedra, meio chamuscadas, como se pertencessem a uma fábrica antiga. Manchas acima da entrada revelavam onde letras enormes tinham estado um dia. Ainda podia ser lido “HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESTADUAL GENERAL BOWEN”.
Por um momento, achei que aquele pesadelo até poderia fazer sentido. “É isso!”, pensei com um sopro de esperança. “Sou psicótica! Tudo que acabou de acontecer não passa de uma montagem inteligente das minhas próprias ilusões.”
Isso explicaria o fogo... o aparecimento estranho e aleatório de Byron Swain... a sentença de morte por eu ser uma bruxa.
“Os médicos vão tomar conta de mim, a mamãe e o papai virão me buscar quando eu ficar boa, e tudo vai ficar bem de novo. Eu só sou psicótica, só isso. Nada de mais.”
Deixei escapar um sorriso involuntário ao pensar nisso tudo. Whit olhou para mim como se eu fosse, sem nenhuma surpresa para ele, uma louca de pedra. Eu estava cruzando os dedos para ser mesmo.
— O que deu em você? Você sorriu? Por quê? Esse lugar parece saído de um filme de terror! — Ele fez cara feia.
— Bom, e o que você estava esperando? — eu disse com uma risadinha. — Um lugar quentinho e aconchegante?
Nós fomos tirados do furgão e entramos no lugar.
— Vai logo! — O guarda me deu um cutucão nas costas com o cassetete, me empurrando para um corredor largo e escuro. Uma luz fluorescente fraca brilhava ao final dele, bem distante. Uma luz ao fim do túnel? Até parece.
— Vou receber tratamento aqui? — Aproveitei para perguntar. — Quando posso falar com o médico?
Whit virou a cabeça para trás e me lançou outro olhar confuso.
— Isso aqui é uma cadeia da Nova Ordem, menina — um dos guardas disse, mal-educado e nervoso ao mesmo tempo. — Para criminosos perigosos. Como vocês dois.
Eles nos empurraram para uma escadaria que tinha apenas uma luz bem fraca e que mal iluminava cada patamar entre os andares. Minhas pernas estavam tremendo, provavelmente porque eu não tinha comido nada de verdade desde o começo daquele pesadelo. Os guardas nos fizeram marchar escada acima, sem parar, até eu me render ao cansaço e parar de contar os andares.
Finalmente, entramos em mais um corredor escuro em que havia o que parecia ser uma enfermaria antiga. Uma mulher lá dentro estava debruçada sobre sua mesa, corcunda, distraída com a revista O Administrador da Nova Ordem. Ela devia ser muito alta porque, apesar de estar sentada, ainda conseguia olhar para mim.
— Sim? — ela coaxou como um sapo que fumava cigarros demais. — Posso saber por que você está me incomodando?
incomodando? Olhos escuros, quase sem a parte branca, por um triz não atravessaram os meus. Ela tinha um nariz torto e um queixo pontudo com uma verruga enorme, cheia de pelos bem pretos e enrolados. Putz, se a Nova Ordem estava mesmo a fim de prender bruxas...
— Mais dois degenerados desprezíveis para você, enfermeira-chefe — anunciou um dos guardas. — Uma bruxa e um bruxo.
Senti meu estômago afundar. A fantasia vivida por tão pouco tempo tinha terminado oficialmente.
Eu sei que a vida é uma droga quando você não vê a hora de ser institucionalizado, drogado ou até passar por uma sessão de choque para voltar à realidade. A essas alturas, eu aceitaria uma lobotomia numa boa. Acho que é isso que temos que encarar quando a liberdade deixa de ser um sonho.
Lobotomia ou morte!

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