Whit

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A luz do sol , que vimos pela primeira vez no que parecia décadas, entrou através das janelas de dez metros de altura na sala do tribunal , quase nos cegando. Apertei os olhos e tentei protegê-los com a mão, mas acabei batendo com as algemas na minha cabeça. Desajeitado eu?
Àquela altura, eu achava que seria difícil me surpreender com mais alguma coisa, mas não conseguia acreditar na cena à minha frente.
Um retrato do tamanho de um elefante de O Único Que É O Único estava pendurado bem no meio da sala, como se ele fosse um general ou um imperador. Havia uma jaula enorme em frente à mesa do juiz. Sim, uma jaula, como aquelas que o pessoal usa para mergulhar em meio aos tubarões. Um guarda segurava a porta aberta e o outro nos empurrou lá para dentro.
Numa jaula.
Num tribunal.
- Já estou quase acostumada a olhar através de barras - Wisty disse, parecendo conformada. Nada a ver com a Wisty de verdade.
- Não diga isso - sussurrei, falando sério. - Vamos sair desse hospício. Eu prometo!
Mas como ? Estudei a sala do tribunal com atenção. Ao nosso redor, havia uma parede impenetrável de indiferença, de ódio até . E pelo menos mais uma dúzia de guardas armados.
Um juiz, que devia ser O Único Que Julga, olhava para tudo com um ar ameaçador, do alto de uma plataforma à nossa frente. Seu cabelo grisalho, fino e oleoso estava colado na cabeça.
No lado direto do tribunal, atrás de uma parede mais baixa, um júri nos encarava com uma cara de paisagem. Eram todos adultos, homens e aparentemente achavam que duas crianças inocentes sendo julgadas em uma jaula não era nada de mais. Então, agora era oficial: o mundo tinha ficado totalmente maluco.
O Único Que Julga colocou uns óculos minúsculos sobre o nariz comprido e fez cara feia para nós. Li a placa dourada dele: "JUIZ EZEKIEL RAIWA". Ele pegou um pedaço de papel.
- Whitford Allgood! - leu com uma voz ardida. - Wisteria Allgood! Esse julgamento foi convocado porque vocês foram acusados dos crimes mais sérios contra a Nova Ordem! - Ele lançou um olhar penetrante sobre nós dois.
Havia uma plateia de adultos atrás de nós, todos de pé. Eu me virei para ver melhor a multidão. Os poucos deles que olhavam para mim tinham os olhos frios e cheios de ódio.
Esfreguei a testa contra o meu braço enquanto o juiz lia com má vontade um monte de porcaria que parecia ter a ver com leis.

Dei uma olhada de leve no júri, tinha certeza de que alguns daqueles adultos iam ficar com dó de dois adolescentes sujos e famintos, certo? Crianças algemadas , em uma jaula, e sem advogado? Mas seus rostos estavam congelados em expressões de condenação. Era como se estivessem sendo pagos para não gostarem de nós. Será que tinha uma placa em neon bem acima das nossas cabeças com os dizeres "CARA FEIA" em vez de "APLAUSOS", como naqueles programas de TV ao vivo?
- Mas o que fizemos?! - Wisty gritou de repente para o juiz. - Só nos diga isso. Somos acusados de quê?
-Silêncio! -o juiz berrou. -Escute aqui, sua menina insolente! Vocês são uma ameaça a tudo o que é adequado, certo e bom. Soubemos pelo testemunho da polícia sobre suas últimas perpetrações nas artes das trevas. Sabemos disso graças a inúmeras investigações conduzidas pela Agência de Segurança da Nova Ordem, e sabemos disso, acima de tudo, graças à Profecia.
Fiquei chocada quando vi o júri fazendo que sim com a cabeça.
- Profecia? - Comecei a tirar um barato da cara do juiz. - Prometo ao senhor: eu e minha irmã não estamos em nenhuma passagem da Bíblia. Fala sério, Ezekiel!
A sala inteira disse "Óóóó!".
- Blasfemador! - uma mulher berrou e balançou o punho cerrado.
O guarda correu em minha direção com seu cassetete em punho e ergui as sobrancelhas fazendo cara de medo. "Ahn, estou em uma jaula, seu imbecil! As barras funcionam dos dois lados", pensei.
O juiz Raiwa continuou:
- Portanto, com base na preponderância da evidência...

- Olha aqui! Quaisquer que sejam essas acusações, nós nos declaramos inocentes! - berrei, agarrando as barras da jaula, apesar das algemas, e a chacoalhei com toda a minha força. Acho que não foi a coisa mais inteligente que eu poderia ter feito.
Pá! O guarda desceu o cassetete com tudo contra os nós dos meus dedos. Wisty se assustou e eu quase não consegui engolir meu grito de dor.
O Único Que Julga literalmente pulou da cadeira e se debruçou sobre a mesa, praticamente à distância de uma boa cusparada.
-Vamos ensinar para esses vermes o que é bom para a tosse! Muito bem, guarda! Essa é a única maneira de lidar com esse tipo de lixo! Se damos a mão, esses insolentes querem o braço! O rosto dele estava roxo e branco, os olhos quase saltando das órbitas.
- Como vocês se declaram em relação a essas acusações? - ele gritou.
Totalmente perplexos, Wisty e eu respondemos:
- Inocentes!
O juiz se virou para o outro lado.
- Cavalheiros do júri, com essa afirmação, os réus demonstram completo desprezo pela sua boa vontade e pela missão desse tribunal. Eles zombam de nós. Escarnecem dos padrões da gloriosa Nova Ordem! Eu pergunto aos senhores: qual é o seu veredicto?
-É isso? -gritei da jaula -É assim que seremos julgados?
-Vocês estão de brincadeira! -Wisty berrou.
-Isso não é justo!
Pá!, fez o cassetete de novo. Pá! Pá! Pá!
Todas essas coisas malucas estavam acontecendo tão rápido!
Em julgamentos normais, e que levam a lei em consideração, um dos membros do júri se levanta e lê o veredicto em uma folha de papel que ele segura com as mãos, as quais, geralmente, tremem. Mas aquilo era uma imitação grotesca da justiça. Nós só ficamos assistindo enquanto os homens, um por um, viraram os polegares para baixo. Todos eles. Unanimidade.
É claro que julgamentos normais têm advogados e princípios do tipo "inocente até que se prove o contrário", essas coisas. Então, sejam bem-vindos à Nova Ordem, eu acho.
O juiz Raiwa bateu seu martelo com tanta força sobre a mesa que Wisty e eu demos um pulo.
- Culpados de todas as acusações! - ele disse com um rugido, e o ar congelou no meu peito.
- Você, Wisteria Allgood, foi considerada bruxa pela Nova Ordem! E você, Whitford Allgood, foi considerado bruxo!
Nós só conseguimos olhar para ele, chocados, sem acreditar no que tínhamos ouvido. Mas ele tinha deixado a melhor frase para o final.
- Ambos os crimes serão punidos com o enforcamento... até a morte.

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