Capitulo 1 - Beatriz

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As gotas na janela me contaram que o dia amanheceu chuvoso. Olhei o celular, eram exatamente seis horas da manhã. Levantei e fui escovar os dentes. As camas bagunçadas e vazias denunciavam que já não havia mais ninguém no quarto.

Depois de tomar banho e me arrumar, abri a seis portas e consegui chegar até o jardim. Tinham algumas pessoas tomando café da manhã nas mesinhas de madeira que cobriam o gramado, a chuva parecia não incomodá-las. Bastaram alguns passos e cheguei até a saída. Quando abri a porta, o vento quase me congelou e eu percebi que pelo menos metade da cidade já estava acordada.

Os carros passavam de um lado para o outro e as pessoas andavam apressadas como quem deseja chegar rápido ao seu destino. Muitas bicicletas passavam por mim. Então eu dei o primeiro passo e saí para descobrir Dublin.

O meu inglês não era bom, e esse era um dos meus maiores medos. Como eu iria conseguir fazer amizade? Como iria arrumar um trabalho sem conseguir me comunicar com as pessoas? Até porque eu nunca tinha tido contato com muitas delas.

Saí andando e parei em um café irlandês. As pessoas estavam comendo feijão com linguiça. Fiquei pensando se algum dia eu me acostumaria com aquilo. Só que mesmo assim, sentei b na mesa e resolvi que entraria na cultura de vez. Pedi um desses também e tentei começar a comer, mas depois do primeiro garfo já não descia mais nada. Meu estômago estava fechado.

Tudo que eu queria era sentir o cheiro do pão de queijo e do café quentinho que minha mãe fazia. Larguei o prato e comecei a observar as pessoas que entravam e saíam do café. Todas estavam alegres. A primeira impressão que tive era de que eles sempre estavam felizes.

Peguei minha bolsa e me levantei. Todos me cumprimentaram, a simpatia nos olhos me desejava boas-vindas e aquele foi o momento em que eu senti que um terço do meu medo estava começando a querer partir.

E é nessas horas que você percebe o quanto vale um sorriso, que muitas vezes não parece ser nada, mas que na verdade pode ser tudo para mudar o dia de alguém.

Pisei na calçada e comecei a andar, pensando em voltar para o hostel pelo medo de me perder, mas me lembrei das sábias palavras de meu pai: "Não tenha medo, minha filha, tudo irá ficar bem quando você é do bem". Então, dei o primeiro passo e comecei a seguir sem rumo. De alguma forma eu teria que encontrar o caminho de volta. Eu tinha que saber.

Continuei seguindo e percebi que o medo começava a me consumir novamente. O que mais me preocupava era o fato de não saber por onde começar a procurar um lugar para morar. A mulher da agência disse: faça amigos e arrume alguém para dividir apartamento com você. Fazer amigos? Essa era uma das partes mais difíceis para mim.

Para alguém que nunca tinha saído da fazenda, era complicado lidar com uma cidade na qual as pessoas pareciam se proliferar. Em menos de três passos escutei uns cinco idiomas diferentes, já não sabia mais com quais pessoas eu teria que lidar, e de qual parte do mundo elas eram.

Passei por uma rua e notei que havia milhares de pubs de todos os tamanhos e estilos diferentes; algumas pessoas estavam com enormes copos de cerveja na mão, e ainda eram nove horas da manhã. "Como alguém consegue beber nesse horário?", pensei. Logo eu, que nunca tinha colocado sequer um gole de álcool na boca. Confesso que naquele momento fiquei ainda mais assustada. Nunca tinha visto nada parecido antes.

Apertei o passo e continuei andando. Passei por uma ponte que cruzava um rio que cortava a cidade ao meio. Andei mais um pouco e me deparei com uma agulha gigante no meio da rua. Foi nessa hora que eu me lembrei... "Esse deve ser o famoso "spire", pensei. Era uma imensa peça de ferro que se estendia do chão até o céu. Tão alta que parecia furar as nuvens. Em sua ponta havia uma luz. E eu já sabia para que servia. Eu tinha visto na internet que aquele era o maior ponto de referência em Dublin, e que as pessoas sempre se encontravam ali.

Andei mais um pouco e percebi que estava em uma das ruas principais da cidade, a O'Connell Street. Esse lugar era ainda mais movimentado. Eu realmente nunca tinha visto tanta gente junta.

Havia vários jovens de todas as idades e estilos diferentes. O comércio não tinha fim, um imenso emaranhado de lojas, pubs e cafés. Escutei muitas pessoas falando português. Compreendi que a mulher da agência estava certa quando disse: "Não tenha medo, você irá encontrar muitos estudantes brasileiros em Dublin".

Então, naquele momento, eu me senti melhor. Finalmente eu estava um pouco mais segura, mas continuava me sentindo sozinha, porque mesmo falando um idioma familiar a algumas pessoas, minha timidez não deixava que eu me comunicasse com elas.

Olhei para a frente e continuei andando. O barulho dos carros e dos ônibus ficavam cada vez mais altos. Vi muitas pessoas sentadas no chão com as mãos estendidas. Certamente estavam pedindo esmolas.

E esse foi um dos momentos em que eu mais estranhei. Como, em um país de primeiro mundo, no alto do Atlântico, poderia ter pessoas assim? Sempre imaginei que o exterior fosse um lugar onde as pessoas não tinham problemas, um lugar onde tudo sempre funcionava bem, mas eu estava enganada.

Não importava o quão longe eu estivesse do meu país, os problemas sempre existiriam, e as pessoas nunca estariam completamente isentas da fome. Andei mais um pouco e comecei a observar como eles se comportavam, só que a única coisa que percebi foi que seus olhos traziam imensa tristeza.

Encostei em uma pilastra e comecei a reparar em um deles. Um jovem branquelo que aparentava ter seus trinta anos, mas talvez fosse mais novo. Seu rosto parecia meio acabado. Ele estava todo encolhido e bem na sua frente havia um copo de plástico com algumas moedas.

Tentei observar seu rosto melhor, mas não consegui. Ele baixou a cabeça e debruçou-se sobre as próprias pernas. Os braços envolveram os joelhos e os cabelos ruivos apontaram para mim.

Cheguei mais perto e depositei algumas moedas. Queria me sentar e falar com ele, mas infelizmente eu não podia. E aquela foi a primeira vez que eu realmente senti uma vontade absurda de conversar com alguém. Alguém que certamente estava mais sozinho do que eu.

Voltei para o meu lugar e continuei observando. Depois de dez minutos, ele levantou a cabeça e, com um olhar perdido, observou a rua. Pensei que em algum momento ele tivesse me olhado, mas não notei nenhum sinal de que ele tivesse me notado. Arrumei meu sobretudo branco e continuei andando, mas a única coisa que meus olhos conseguiam ver eram as outras pessoas que se encontravam na mesma situação do outro rapaz. Jovens devastados pelo tempo, com a pele seca e os dentes estilhaçados.

Foi aí que percebi que a minha tristeza não era nada. Nada perto do que aquelas pessoas poderiam sentir. Porque além da solidão, elas tinham frio, fome, sede e, possivelmente, uma grande vergonha por estarem ali.

Passados alguns minutos, entrei no Starbucks, pedi um café com leite e me sentei em uma cadeira de frente para a rua. A imensa vidraça me permitiu observar as pessoas. Mas os meus olhos estavam perdidos e o meu pensamento ainda estava naquele rapaz. Meus sentidos pareciam estar cada vez mais próximos dele. Eu precisava vê-lo de novo. Eu precisava saber o que havia por detrás daqueles tristes olhos azuis.

O garoto de Moletom Cinza (COMPLETO) - Quadrilogia " A Ilha da Esmeralda"Onde histórias criam vida. Descubra agora