Capitulo 2 - Beatriz

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No dia seguinte, acordei um pouco mais tarde. Minha cabeça estava prestes a explodir. Os pensamentos não me deixavam em paz. Não sabia no que pensar. Se era no meu namorado, no garoto do dia anterior, no início das aulas, no emprego ou na minha casa. Estava quase enlouquecendo.

Eram dez horas da manhã quando olhei no relógio. Naquela manhã realmente acordei muito mal. Senti uma onda de depressão invadir o meu peito. Uma tristeza tão grande que eu não conseguia controlar.

Então decidi que iria ao mesmo local do dia anterior, talvez pudesse observar o menino de novo. Não sei o porquê, mas acho que ele me daria forças para continuar. Até porque o meu problema diante daquelas pessoas não era nada.

Peguei meu telefone e olhei o calendário. Era dia vinte e cinco de maio de dois mil e dezesseis, minha segunda manhã em Dublin, e a única coisa que eu sentia era uma vontade incontrolável de voltar para casa.

A manhã estava cinza e as gotas de água começavam a escorrer pela janela. Levantei da cama e notei que já não havia mais ninguém no quarto, graças a Deus, porque eu não saberia como me comunicar com as pessoas caso elas tentassem falar algo comigo.

Segui para o banheiro e tomei um banho para sair. Mas confesso que naquele momento a única coisa que eu queria fazer era ficar na cama, escondida, sozinha e longe de todo aquele mundo estranho que me esperava lá fora.

Liguei o chuveiro e a água quente lançou-se sobre meus cabelos longos. As gotas que caíam sobre mim acompanhavam as que caíam dos meus olhos, levando para o ralo tudo o que eu havia deixado para trás.

Escutei a porta do quarto se abrir, várias vozes acompanhavam os passos pelo chão de madeira. "Que língua é essa que estão falando?",pensei. Vesti minha roupa em silêncio e fiquei olhando para a porta por uns dez minutos antes de criar coragem para sair.

Virei a maçaneta prateada, era hora de enfrentar meus medos. Quando olhei para frente, lá estavam quatro garotas. Os cabelos tão claros quanto à neve e os olhos quase tão azuis quanto o céu.

Hi — elas disseram, mas a única coisa que consegui fazer antes de sair do quarto foi dar um sorrido bobo e constrangido.

Olhei no meu celular e o Rafael, meu namorado, tinha me ligado umas dez vezes durante a noite.

"Talvez ele não saiba do fuso-horário, mais tarde ligo para ele", pensei em voz alta.

Caminhei até o local onde o garoto estivera no dia anterior, mas infelizmente ele não estava lá. Fiquei chateada, pensando se o destino, algum dia, iria me dar a chance de vê-lo novamente.

Esfreguei os olhos para conter as lágrimas e tomei uma decisão. Eu precisava pensar na vida, pensar em como solucionar todos os meus problemas.

"Vou até a Catedral de São Patrício, dizem que é muito bonita. Talvez eu possa pensar melhor lá", pensei alto novamente. Coloquei o endereço da "Sant Patrick Cathedral" no Google Maps e saí. Durante todo o caminho, as únicas coisas que chegaram até a minha cabeça foram os olhos daquele garoto.

Não sabia o que estava acontecendo, mas de repente tudo o que estava me preocupando passou e ele era a única coisa que despertava algum tipo de pensamento em mim. Talvez fosse curiosidade ou até mesmo misericórdia. Eu não sabia exatamente a razão pela qual eu me sentia tão ligada a ele.

Passados alguns minutos, cheguei ao pequeno parque que rodeava a igreja, uma construção cinza que lembrava um imenso castelo. As enormes portas de madeira davam as boas-vindas para os inúmeros turistas que tentavam adentrar o famoso lar do padroeiro de Dublin.

Olhei para a fila e decidi que aquele não seria o momento de entrar, então, estendi uma canga no jardim que rodeava a Catedral e fui meditar. Precisava saber o que eu iria fazer da minha vida. Precisava ter um "norte". Onde eu começaria a tentar arrumar emprego? Será que alguém empregaria uma pessoa que não sabe falar nem um "Oi, bom dia!"?

Eu tinha apenas três mil e quinhentos euros. Três mil, eu tinha que guardar até o dia da minha entrevista na imigração, porque eu teria que comprovar esse dinheiro para eles. Afinal, eles tinham que ter a certeza de que eu conseguiria me sustentar no país até conseguir um trabalho. E os outros quinhentos tinham que durar até esse dia, que eu ainda nem sabia quando seria. E depois, o resto teria que aguentar até o dia em que eu arrumasse um emprego. Ai, meu Deus. Eram tantas as coisas com as quais eu tinha que me preocupar.

Deitei no chão e fechei os olhos, mas a primeira imagem que me veio à cabeça foi a do garoto ruivo. Tentei focar em outra coisa, mas foi em vão. Então, abri os olhos e comecei a observar as nuvens. Elas formavam delicados desenhos cinzas e o azul do céu estava mais próximo de querer partir.

Fechei os olhos de novo e tentei fazer um exercício de respiração, na tentativa frustrada de organizar meus pensamentos. "Tudo bem, Beatriz. Vamos lá. Você precisa de foco", pensei, ao respirar fundo.

Segundos depois, a imagem do garoto veio novamente ao meu pensamento. Fiz esforço para esquecer, mas os olhos tristes dele ainda me olhavam. Respirei mais uma vez e apertei as pálpebras, na tentativa frustrada de fugir daquelas lembranças, mas elas continuavam a me perseguir.

Então, eu me sentei, abri os olhos e comecei a observar as pessoas. Talvez aquilo fosse uma ótima forma de fugir dos pensamentos indesejáveis. Olhei para um lado e vi um casal sentado a alguns metros de mim. Em volta das flores, um garoto brincava com seu cachorro e, um pouco mais acima, avistei uma mulher.

Ela se parecia com uma daquelas pessoas que estavam de mãos estendidas. Comecei a reparar mais a fundo nela e percebi que ela pedia esmola, mas ninguém dava atenção.

Meus olhos se encheram de lágrimas, só que dessa vez eu não chorava por mim. Minhas lágrimas não eram de saudade. Meu coração apertou e eu senti uma enorme vontade de falar com ela, mas eu não podia, eu não conseguia.

E foi nesse momento que tive um estalo. Eu precisava aprender a língua. Eu não podia ter medo. O medo só estava me prendendo, fazendo com que eu ficasse enraizada no chão. Estacionada em um lugar escuro, de onde eu jamais conseguiria sair.

Depois de alguns segundos de reflexão, perdi a garota de vista. Mas era como se o rosto pálido dela estivesse gravado em mim. Os cabelos loiros presos em um coque, um semblante triste e um moletom mal-acabado.

Levantei do chão, coloquei a canga na mochila, saí firme e decidida. Eu iria até o hostel. Precisava imprimir meu currículo e começar a entregar por aí. Depois eu mandaria um e-mail para a agência pedindo ajuda para arrumar uma casa.

"Bom, Beatriz, se você não fala inglês, o primeiro lugar onde deve procurar emprego é em um café ou em um hotel. Talvez você possa lavar as louças ou arrumar as camas. Lavadeiras não precisam falar, elas só precisam fazer", pensei em voz alta, ao seguir andando pelo mediano jardim.

Minutos depois eu estava em uma rua grande e movimentada. Os pubs estavam por todas as partes, assim como as lojas e os cafés. Tentei andar mais rápido, mas não consegui. Havia um enorme trânsito de pessoas.

Senti que pingos de água começavam a cair, então decidi esperar em algum estabelecimento até que a chuva passasse. Entrei e pedi um café, sentei em uma mesa que me permitia ver a rua e comecei a observar as pessoas.

Segundos depois, olhei para um lado e lá estava ele novamente. O garoto de moletom cinza. Mas dessa vez, ele estava andando rápido e nervoso. Logo atrás vinha a moça que eu havia visto segundos antes no jardim.

Ela corria atrás dele, seus olhos estavam roxos e sua boca estava inchada. Levantei da mesa e saí correndo para observar mais de perto. Os dois estavam gritando e pareciam estar se agredindo verbalmente. Fiz força para entender, mas foi em vão.

Algumas pessoas da rua pararam para olhar, outras nem pareciam se importar com o que estava acontecendo. Cheguei mais perto e percebi que o garoto parou e a mulher conseguiu alcançá-lo. Depois de alguns berros, os dois começaram a se agredir. Ele deu uma porrada no rosto dela e saiu correndo.

Meu coração acelerou. O que estava acontecendo? Como eles se conheciam? Quem eram aquelas pessoas? Por que elas estavam agindo assim?

O garoto de Moletom Cinza (COMPLETO) - Quadrilogia " A Ilha da Esmeralda"Onde histórias criam vida. Descubra agora