Capitulo 10 - Beatriz

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Era sábado, sete horas da manhã, e eu não estava com nenhuma coragem de sair da cama. Uma semana já havia se passado desde o meu primeiro dia de aula e tanta coisa já tinha acontecido, que pensei que já estava na Irlanda há mais de um mês.

Depois que o garoto de moletom cinza jogou ovos em mim, Roberta ficou tão irritada que me arrastou para casa antes que eu pudesse ver qual seria a reação dele ao ver que me atingiu. Eu não sabia nem se ele me reconheceria; sorriu para mim um dia, só que eram tantos os rostos que passavam por ele, que talvez ele nem soubesse que eu existia.

Os dois dias de aula que ainda restaram na semana se resumiram em muita conversação e eu estava me sentindo cada vez mais familiarizada com o idioma e com o professor. Inclusive, ele estivera me convidando para sair com ele, queria dar uma volta no parque e ir ao museu. Mas como eu estava de mudança, isso foi meio impossível.

Aliás, nessa altura do campeonato, eu já estava na minha casa nova, dividindo o quarto com a menina mais louca que já conheci na vida. Mas o importante é que estávamos nos dando bem e ela ainda estava me ajudando com a minha timidez.

No dia anterior fiquei horas conversando com minha mãe no telefone, contei todas as novidades e acalmei o coração dela. Mamãe estava muito preocupada comigo, sempre fui criada em uma bolha e foi difícil para ela me deixar partir.

Depois de muitos choros e velas, ela passou o telefone para meu namorado e foi a vez de ele falar tudo o que estava sentindo. Ficamos uma hora no telefone e por quarenta minutos eu chorei e ele falou, (licença poética) tão rápido que pensei que ia ficar sem fôlego.

Disse que me amava muito, mas que não sabia se iria aguentar toda aquela distância. Afinal, não sabíamos quanto tempo ia durar até que nos víssemos de novo. Teve um momento que até pensei que ele queria insinuar que terminássemos. Cobrou de mim o fato de eu não ter falado muito com ele desde o dia em que cheguei.

Mas a questão é que não era tão fácil assim. Já era muito difícil para mim ter que passar tudo o que eu estava passando, ficar longe de casa, longe dele, longe dos meus pais. Ter que me virar em um país sem conhecer ninguém, sem saber o idioma. Como eu poderia ficar presa vinte quatro horas ao Brasil? Se eu fizesse isso, tudo poderia piorar.

E eu confesso que não me comunicar muito com eles estava me ajudando a sofrer menos. É aquela ideia de que, se você foge de algo, você simplesmente engana seu coração, fazendo-o acreditar que está tudo bem.

Para mim era mais fácil do que para ele. Eu estava em um lugar novo, conhecendo dez pessoas por segundo. Várias coisas acontecendo muito rápido em uma intensidade sem igual. Assim era muito mais fácil não lembrar o tempo todo de tudo o que eu havia deixado para trás. Ele estava sem mim em um mundo velho do qual eu sempre fiz parte, e eu estava em um mundo novo no qual ele nunca existiu. Eu era o vazio que deixei no presente dele, e ele estava ficando cada vez mais perdido dentro do meu passado.

A questão é que o Brasil estava ficando cada vez mais distante, como se eu estivesse voando em direção ao infinito, perdendo cada vez mais a visão do que estava ficando embaixo de mim. Não me orgulho em dizer isso, não foi essa a intenção que tive quando resolvi fazer o intercâmbio. Mas o sentimento a gente não controla, e eu estava notando que cada vez mais algo se transformava dentro de mim.

Virei a cabeça e notei que Roberta dormia na cama ao lado da minha. Nossas malas ainda estavam abertas no chão e tinham roupas espalhadas por todos os lados. Levantei com cuidado para não acordá-la. Tentei desviar de todas aquelas coisas e fui para a cozinha fazer um café.

Instantes depois me sentei no sofá com a minha xícara. O estofado preto encostava na janela de vidro, me permitindo observar as gotas de água que caíam do lado de fora.

O garoto de Moletom Cinza (COMPLETO) - Quadrilogia " A Ilha da Esmeralda"Onde histórias criam vida. Descubra agora