Capitulo 4 - Beatriz

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Levantei no pulo, um pesadelo horrível invadiu o meu sono e eu acordei como se não tivesse dormido nada. Todo o meu corpo doía e havia um peso enorme em cima de mim. Tentei esticar as costas e semicerrei os olhos para tentar me lembrar do sonho.

Depois de alguns minutos me vieram alguns flashes. A moça loira corria atrás de mim, queria me bater, e eu acordei bem na hora que ela ia me acertando com um taco de madeira. Meus batimentos estavam acelerados e eu ainda estava completamente desconcertada.

Olhei no celular e já era meio-dia. "Dormi mais que o normal essa noite, deve ser por isso que sonhei coisas que não fazem o menor sentido", pensei.

Corri para o banheiro e lavei o rosto. Estava com a cara inchada e o cabelo todo desalinhado. Tomei um banho, me arrumei e saí do quarto. Chovia muito naquele dia, então resolvi que eu ficaria no hostel mesmo. Precisava checar os e-mails e ver se a moça da agência já havia me respondido. Eu tinha que arrumar uma casa, não poderia continuar em um albergue por mais longos dias.

Enquanto eu andava até a sala de televisão, o garoto de moletom me veio à cabeça, segundos depois a imagem do meu namorado me perseguiu também. Mas eu bloqueei meu pensamento, não era esse o foco que eu precisava ter naquele momento.

Sentei no sofá. Havia muitas pessoas lá; umas conversando e outras com seus aparelhos eletrônicos na mão. Tentei observá- las. Tinha gente de tudo quanto é tipo e estilo. Umas brancas como a neve, outras pardas como a areia do deserto, e outras escuras como a noite. Fiquei olhando curiosa para saber de qual parte do mundo elas eram, mas também rezava silenciosamente para ninguém tentar falar comigo.

Abri meu notebook e fui checar meu e-mail. Beatriz Oliveira,

Agradecemos o seu contato, mas não pudemos encontrar uma casa para a senhorita. Se desejar, podemos estender sua estadia no hostel ou tentar uma vaga em uma residência estudantil por mais tempo. Seguem os valores mínimos semanais:

Hostel: 100 euros por semana

Residência Estudantil: 200 euros por semana

Mas a senhorita tem outras opções, faça amigos na sala de aula e poderá dividir apartamento com eles, o preço sai bem mais em conta. Também pode entrar em grupos do Facebook, eles anunciam vagas todos os dias.

Fechei o notebook e comecei a respirar fundo. O pânico tomou conta de mim outra vez. Como eu poderia achar uma casa sozinha? Era quarta-feira e tinha apenas mais onze dias até que minha estadia no hostel acabasse. Minhas aulas só começariam na próxima segunda, cinco dias depois. Eu não poderia esperar cinco dias e depois esperar ainda mais tempo para fazer algum amigo. Era inviável para mim pagar duzentos euros por semana em uma residência estudantil e também não poderia morar em um albergue por mais tempo. Será que eu teria que ir morar no olho da rua?

"Óh, meu Deus, o que eu faço agora?", pensei, com a cabeça explodindo de dor.

Fechei os olhos, espremendo-os com toda força. Queria voltar para casa, para minha mãe e para o meu namorado. Não dava mais para viver ali.

Hi, how are you? - disse um garoto que acabara de se sentar ao meu lado.

Sorry, i don't speak english — respondi, fazendo muito esforço.

Where are you from? — ele insistiu.

— O quê? — soltei em português mesmo. Minha cabeça já estava completamente confusa.

— Ah, você também é brasileira — ele disse e eu senti um alívio.

— Sou sim! — respondi, intimidada.

— Prazer, Jorge. — Estendeu a mão.

— Prazer, Beatriz. — Retribuí o gesto.

— Estava ali na cozinha — ele apontou para o espaço que se interligava com a sala de televisão — e notei que você está fazendo cara de sofrida. Posso ajudar em alguma coisa? — Foi atencioso.

— Oh, meu Deus. Eu não sei disfarçar mesmo — falei baixo.

— O quê? — Ele enrugou as sobrancelhas.

— Nada! Me desculpe, mas eu estou bem — fingi.

— Não tente me enganar. — Ele sorriu e eu senti confiança.

— É que... — travei.

—Pode dizer, eu não mordo, não. — Deu um sorriso de lado.

— É que hoje faz quatro dias que eu cheguei do Brasil e ainda não encontrei um lugar para morar. Na verdade, nem sei por onde começar a procurar — soltei de uma vez.

— É simples, more aqui. — Ele sorriu.

— Está louco? — Enruguei as sobrancelhas.

— Não, eu moro aqui já tem dois meses. Saí da casa onde dividia quarto com mais três coreanos e fui ficando por aqui.

— Como assim? — Fiquei sem entender.

— Cheguei aqui para fazer intercâmbio já faz dois anos — começou, ao passar a mão nos cabelos negros. — Morei um tempo em cada lugar. É muito complicado dividir casa aqui. Os aluguéis estão caros. Eu pagava quatrocentos euros para dividir quarto com mais três, aqui eu pago o mesmo valor e dá menos confusão.

— Como é que consegue viver em um albergue? Dividindo quarto com mais sete pessoas?

— Não é sempre que o quarto está cheio. A rotatividade de pessoas é alta, então as brigas são meio inviáveis. Tem mais dois garotos no quarto que estão aqui há mais tempo, mas eles são tranquilos. — Encostou no sofá.

— Ainda não entendi. — Tentei assimilar.

— Gata... — Ele virou para mim. — Não é de um todo ruim morar aqui. Eu conheço gente o tempo inteiro. Pessoas de todos os lugares do mundo. Aperfeiçoo meu inglês e ainda consigo aprender algumas frases em outros idiomas. É uma experiência única — disse, satisfeito.

— Não dá para viver sem privacidade — retruquei.

— Aí é uma questão de querer viver de aventura ou não — ele respondeu e eu fiquei pensativa. — De onde você é? — perguntou.

— Minas, vivia em uma fazenda. — Entristeci o olhar. — Nunca tinha saído de lá.

— Ah, agora está explicado. — Ele sorriu. — Não fica assim, não. Já, já, você acostuma. O ser humano se acostuma a tudo nessa vida! — completou, otimista.

— Será? — respondi.

— Pelo menos a maioria — brincou. — Gata, tenho que ir trabalhar. Amanhã me encontra aqui nesse mesmo horário, posso te ajudar a encontrar um lugar para morar.

— Jura? — Fiquei entusiasmada.

— Vou tentar. — Sorriu ao sair.


O garoto de Moletom Cinza (COMPLETO) - Quadrilogia " A Ilha da Esmeralda"Onde histórias criam vida. Descubra agora