Bellu

36 2 0
                                    

Estávamos no apogeu

Lembro-me bem daquele amor

Que um dia nos pertenceu

A beleza, a saudade, e a cor

Fiz de tudo para manter o seu sorriso em dia

Ao passo que no timão

Eu fazia peça e piada, tu rias.

Enquanto dançavas alegre no carvalho do chão

Foram as épocas mais belas

Preenchidas de tardes bonificadas

Agraciadas com o vento batendo nas velas

Que traziam consigo a brisa dourada

Tu olhavas pra mim

Eu olhava pra tu

Tu cheiravas o bom alecrim

Teu nome, me atrevo aqui dizer, Bellu

De tonta como as outras garotas

Tu absolutamente nada tinhas

Era a perfeição da natureza encarnada

A riqueza de uma vida pobre como a minha

Os lassos e insípidos dias chegaram

Na boca, o nome, e o gosto

Bem, as tempestades me mostraram

O sol também tem o seu lado oposto.

Deveras imunda a água do mar

Invadiu sem pedir licença

Levou a nossa cama, o nosso bar

Foi-se indo junto com a tua presença.

O mantra das traiçoeiras águas

No compasso de uma mesma onda

Disputou a carne daquilo chamavas

De pernas e braços, tua face redonda...

Ordinário! Por que a minha vida escolher?

O som da madeira caindo no mar...

Jamais será possível esquecer

Eu morri por mim, e também por amar

Centenas de intensos barulhos mudos

A partir disso foi uma guerra!

Chuva contra mar, nós contra tudo

A violência da água nunca erra

A morte parecia lhe beijar

Com o mesmo prazer

Seja qual for ele a calhar

Sexo, comer, beber.

Jurei eterno amor aos deuses

Depois, contra a correnteza muito nadei

E o amor que afoga, centenas de vezes

De braços fatigados ainda amei

Em cada canto do mar procurei

Um sinal de vida tua

E tudo o que achei

Foi o reflexo mórbido de minha cara crua

Bellu, a sua falta muito sinto

Perdão é pouco para dizer

Que a dor maior é essa, não minto

Eu te deixei morrer.

Agora, Bellu, aos deuses você pertence

Nunca, nunca deste sofrimento me aliviarei

Porque estavas quase ao meu alcance...

E o ar que respiro hoje, de seus pulmões eu o roubei

Agora, por favor, Bellu, pare de me visitar!

Já não basta eu ter vivido enquanto tu morrias

Agora vivo morrendo, a me rastejar

Pelos corredores de luzes sombrias

Teu descanso é precioso

Não abras mão dele, ou terei que te matar de novo

E desta vez pior, dentro de mim

Vá Bellu, vá! Tens que ir!

Todos os grandes marinheiros se reencontram um dia

Por que com nós, seria diferente?





versinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora