Lycoris Radiata

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   O barulho do monitor de batimentos cardíacos estava irritando-o. O cheiro de produtos de limpeza misturando-se com medicamentos fazia o seu estômago embrulhar. Levou um certo tempo para que ele entendesse que estava entubado, fios presos no seu torso e testa. Quando tentou se levantar da maca, uma intensa dor em sua barriga o saudou. Voltou a deitar-se na mesma rapidez que levantou.

   Passou alguns instantes antes que uma enfermeira entrasse. Will poderia descrevê-la como um fóssil por conta da aparência de quem havia vivido por muito tempo nesse mundo. Será que não poderiam contratar funcionários mais jovens ?

   — Ora ora...o suicida acordou. — A anciã o olhava com escárnio. Um estalo de insatisfação fora dado por sua língua. — Sabe, garoto, o centro médico não foi feito para socorrer pessoas como você. Eu rezei a cada dia que seu estado piorava, para que Deus levasse sua alma para o fogo do inferno. É lá o seu lugar.

   Os olhos azulados apenas fecharam-se. 'Calma, William.' Mentalizou. Não iria causar confusão com essa senhora que aparentava ser bem religiosa. Mas se, certamente um dia ele morresse e fosse pro inferno, a tentativa de auto extermínio seria o menor dos seus problemas. A mulher saiu depois de preencher uma ficha em sua mão.

   Então finalmente ele observou ambiente. A iluminação fez os olhos doerem. Não era fã de lugares muito claros. Esteve em hospitais quantias de vezes a mais do que gostaria, por isso passou a considerar o cheiro da ala bastante familiar, porém irritava suas narinas. Nas laterais de sua cama, havia vários aparelhos. Medidor de pressão, de batimentos cardíacos e atividade cerebral. Um tubo para ajudar-lhe a respirar, duas sondas, uma alimentar e outra...bem, para ajudar a evacuar tudo que entrava no seu corpo. Um jarro de flores transparente estava por cima de uma mesa cantoneira bege. Eram Lírios de Aranha Vermelha.

   Dizem que essas flores representam dois amantes apaixonados que devido às circunstâncias, precisam viver separados. Também significam a dor da perda e da saudade, a morte, mas não num sentido pejorativo da palavra. É algo mais como uma transição para uma nova vida. É uma flor com simbologias diversas.

   Um médico adentrou sala, parecia ser bem mais simpático do que a enfermeira. Era um homem jovem. Começou a explicar que Will tivera duas paradas cardíacas no momento em que tentavam o salvar da overdose de medicamentos, ele havia perdido muito sangue e recebeu uma anemia como presente. Durante os dias que ficou na UTI por conta do estado crítico ainda foi submetido a uma cirurgia no aparelho digestivo. A dosagem alta dos medicamentos combinados com o álcool ingerido fora o suficiente para lhe causar certos danos alimentares. Salientou que precisaria ingerir apenas líquidos até a sua flora intestinal retornar a normalidade. Apesar de tudo isso, ele sobrevivera.

   'Infelizmente' pensou Graham.

   O médico era o único que esboçava contentamento.

   Will ainda deveria permanecer no hospital para fazer uma bateria de exames, tanto físicos, como psicológicos. Aquilo não o agradou. Nem um pouco. Ele não precisava da opinião de terceiros sobre seu estado mental. Sempre esteve consciente do que habitava os corredores de sua mente.

   —

   Caminhava de volta para seu quarto, um tanto zonzo. Havia retirado sangue para alguns exames, o seu braço estava dolorido por conta dos furos. Não tinham conseguido achar suas veias de primeira, então ele estava todo picado por conta das agulhas.

   O seu médico recomendara que quanto mais andasse para 'esticar as pernas', seria melhor. Ao virar o corredor à direita, encontrou a velha endiabrada fofocando com a equipe médica. Assim que o notou, olhou enojada. A enfermeira era responsável pela ala em que o de olhos azulados estava internado sob supervisão, então todo santo dia tinha que encarar aquele ser humano odioso.

The Broken TeacupOnde histórias criam vida. Descubra agora