Prefácio
O tamanho da torre principal do novo cursinho impressionava. No alto havia um sino enorme que soava todos os dias as seis horas da tarde, seguida de uma canção em coral que o padre fazia tocar em caixas de som presas à torre ao término das badaladas. Era uma gravação antiga que já não incomodava mais os moradores da região.
Esse era um habito que Ivan demoraria em se acostumar. Cidade nova, cursinho novo e sim, novas amizades. Em menos de um ano mudou de cidade duas vezes. Viva agora em Madeira Negra. Cidade de poucos habitantes e um pouco mais pacata que a cidade vizinha onde vivia anteriormente. Apesar dos pesares, era um bom sinal. Sinal de que o pai era bom no que fazia e ofertas de emprego surgiam o tempo todo. Algumas irrecusáveis.
Mas como tudo tem um preço, Ivan mal se acostumava com uma nova turma e já tinha que se despedir. Essa rotina o perseguia desde a sétima série. Agora, após terminar o ensino médio, estava no o auge de sua adolescência.
Ele sentia que não estava desfrutando tão bem de sua vida social como gostaria. Talvez isso o tenha desmotivado a se apegar muito a um grupo.
Parecia um pouco mais velho que sua carteira de identidade revelava. Aos 18 anos, já apresentava um dom para se socializar, mas agora, no novo cursinho, estava na estaca zero de novamente. Porém, isso não seria problema para ele. Afinal era só questão de tempo.
"Ok, a idéia é sentar no fundo e observar a turma", pensou Ivan no final do corredor, em frente a porta da sala 233.
O prédio parecia meio batido, antiquado, como se tivessem criado um colégio onde antes deveria ser alguma fábrica ou algo do tipo.
- Com licença. - Pediu uma menina à Ivan, que estava parado obstruindo a porta.
A sala estava repleta de garotas, uma mais linda que a outra.
"Acho que estou gostando dessa cidade", pensou subitamente.
Ao cruzar a entrada, ele se sentiu como um forasteiro do velho oeste entrando pela porta bang-bang da taberna, e a agitação da sala caiu bruscamente. Os meninos não deram muita importância, mas as meninas...
Ivan acenou levemente com a cabeça e foi entrando, tentando manter a discrição. Um pouco difícil para um garotão de um metro e oitenta, loiro e atraente.
Antes de começar a aula, os amigos já estavam amontoados, conversando alto e mostrando fotos pelo celular, enquanto lá do fundo, Ivan observava tudo. Quais eram as panelinhas, quem era popular, quem não era, etc.
Mas uma pessoa em especial chamou sua atenção. Cabelos negros, ondulados, pele lisa e mais importante para ele, ela não parecia se misturar com as panelinhas.
"Bom sinal. Provavelmente não está com ninguém da sala". Pensou.
Mas tinha algo nela que fazia com que ele não parasse de observá-la.
- Oi. - Disse sentando-se ao lado dela em uma carteira vazia.
- Olá. - Respondeu ela com um sorriso.
- Escuta, eu não te conheço de algum lugar? - Pergunta Ivan querendo matar sua curiosidade.
Ela cerra os olhos, com meio sorriso no rosto, como que ainda absorvendo a pergunta do "forasteiro".
Alguns segundos depois, ela toma ar para responder.
- Eu...
- Bom dia a todos! - Cumprimenta o professor ao entrar na sala, cessando completamente o caos daquela manha de segunda-feira.
Todos se ajeitam nas carteiras rapidamente.
- Esse professor é do tipo "Tolerância Zero". Melhor voltar pro seu lugar. - Aconselha a garota.
Ele se levanta e olha em direção a frente da sala onde está o professor fitando-o.
A sala fica em silêncio completo.
- Você é...? - Pergunta o professor Valmir, de química. Bigode suntuoso e cara de poucos amigos.
- Ivan, professor.
- Ivan, de que?
- Ivan Medeiros.
- Sente-se no seu lugar. Vou checar na minha lista. É novo na cidade? - Pergunta Valmir, enquanto vira algumas folhas em sua pasta sobre a mesa.
- Sim. Viemos na semana passada. Meu pai recebeu uma proposta para trabalhar na petroquímica, então...
- Então ele não pôde recusar. - Completa o professor.
- Uhum.
- Ok, senhor Medeiros. Antes de começar a aula, meu nome é Valmir, e ministro aulas de química. Aqui é uma escola da igreja, como pôde perceber, e é um ambiente de estudo e religiosidade. Temos orgulho de preservar um ambiente ortodoxo. Você ainda é adolescente, mas sugiro ficar longe de encrencas. Os padres que administram a escola são bem claros quanto à conduta moral e...
Ivan já não prestava mais atenção à ladainha do professor Valmir. Sentando em seu lugar, continuava observando, mesmo com o canto dos olhos aquela garota. Seu sorriso era encantador.
Ivan sentia parecer existir uma sinergia estranha entre eles. Alguma ligação desconhecida.
"Coisas de outras vidas?" Pensou ele.
Procurou se concentrar na aula de química, mas quanto mais tentava não observá-la, mais difícil ficava tirar os olhos de seus longos cabelos ondulados, a pele clara como neve. Parecia sentir seu perfume de longe.
O sinal do intervalo tocou, era sua chance de trocar mais algumas palavras com ela e tentar uma aproximação. Ivan parecia obstinado. Nada mais o distrairia enquanto não conseguisse o que queria.
Ela se levantou, pegou o celular, pareceu ler uma mensagem antes de tornar a guardá-lo novamente na bolsa e se retirou da sala.
Com os olhos de uma águia como que fitando sua presa, Ivan a segue pelo corredor.
O tumulto da saída no intervalo dificulta as coisas.
- Cuidado, idiota! - grita uma garota para Ivan quando teve seus livros derrubados no chão após uma trombada com o garoto apressado.
Quando desceu um lance de escadas, a bela de cabelos ondulados percebeu o que já esperava. Estava sendo seguida.
Após ficar parada na escada observando Ivan se aproximar, ela aperta o passo, claramente tentando fugir do contato com o garoto.
Sua reação foi estranha e isso desperta mais o interesse no rapaz. "Por que ela está fugindo?".
Descendo apressadamente cada degrau, ele se aproxima rapidamente da moça.
Ao estender o braço para alcançá-la, sente uma mão firme impedindo-o pelo punho.
- É melhor não. - diz um garoto de cabelos espetados, expressão serena, e aparentemente muito forte, apesar de menor que Ivan.
Ágata vira-se e observa Matheus segurando o punho de Ivan que olha atônito para ambos sem entender o que está acontecendo.
Com um forte puxão, Ivan se solta das mãos de Matheus.
- Me solta, cara! Qual é a sua?!
Matheus solta um pequeno riso que disfarça com insucesso.
- Está rindo de que? Babaca!
- Velhos hábitos nunca mudam não é mesmo, Ivan?
Ivan cerra o olhos.
- Nós já nos conhecemos?
- Você não irá se lemb...
- Não! Matheus! - interrompe Ágata efusivamente. - É melhor não. Vamos embora.
- Olha! Desculpa, ok? Eu não sabia que você tinha namorado. Foi mal.
Ágata e Matheus se entreolham sem nada dizer.
- É, eu "tinha". - comenta Ágata com certo pesar.
Ágata e Matheus seguem caminho rumo ao pátio enquanto Ivan os observa de longe.
Ele pareceu não se dar por satisfeito. Foi tudo muito rápido e certamente Ivan não absorveu exatamente o que aconteceu.
"Que papo estranho foi aquele de 'velhos hábitos'?".
De longe, Ágata vira-se como que dando um ultimo olhar para Ivan. Ela parecia ter um brilho nos olhos. Parecia triste.
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A Câmara Secreta de Ágata
FantasyIvan é um garoto recém-chegado na pacata cidade de Madeira Negra. Em um passeio particular, dá de cara com uma enorme catedral isolada e abandonada, longe de qualquer outro lugar. Sua curiosidade o leva para os fundos daquele antigo e vazio templ...