Cap. 02

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Capítulo 02

Sem saber o que esperar, Ivan permanece imóvel após notar que não estava sozinho. A ruiva, de expressão séria, extremamente branca e com sardas no rosto, se aproxima dando a volta pelo parapeito que os separa.
Ela desce as escadas lentamente, pisando cuidadosamente no vistoso tapete vermelho de veludo que traça o caminho em direção a parte menos elevada do salão.
Ela estava em um vestido de cor perolado e leve, porém com belos detalhes na manga de renda do braço direito, diferente do braço esquerdo. Aparentemente muito delicada, mas com um olhar fatal.
A bela moça, já próxima de Ivan, quebra o silêncio daquele gigante, porém vazio palácio.
- Fiquei feliz em ver sua coragem para atravessar o portal, Ivan.
- Q...quem é você? Como sabe meu nome?
- Eu o observava através do portal. A propósito, meu nome é Clarissa.
Clarissa, que é de baixa estatura, abraça Ivan em uma investida ousada. Encosta seu rosto contra o peito do visitante. Contudo, de um modo cavalheiro, Ivan não a afasta, mas considera um pouco invasiva a aproximação da ruiva. Ela tinha um perfume muito agradável, apesar de tudo.
- Eu preciso de sua ajuda! - Exclama ela, com expressão de sofrimento.
Delicadamente Ivan a afasta segurando-a pelos ombros.
- Ajuda?
- Há muito tempo estou presa neste lugar. Eu sempre esperei que alguém pudesse surgir me tirar daqui.
- Oras, você nunca tentou atravessar o portal?
Imediatamente, a bela ruiva muda de humor.
- Eu não posso. - explica ela com a expressão fechada, olhando em direção à porta por traz de Ivan.
- Mas, eu acabei de entrar por lá. Não acho que você terá prob...
- Ivan. - Clarissa o interrompe - Entenda. Eu não posso neste momento. Eu preciso muito de sua ajuda para poder sair. - Nesse instante, Clarissa torna a mudar de expressão. - Posso contar com você?
- Claro. - responde Ivan, solidário ao suposto problema que Clarissa está enfrentando. - Mas de que maneira posso ajudar?
- Por favor, venha comigo.
Ela o segura pelas mãos e o conduz palácio adentro.
Eles passaram por muitas salas diferentes, e diversas portas de luxuosas acomodações no gigante castelo branco. Tudo lá parecia decorado como o Palácio Episcopal de Astorga, na Espanha.
Nos fundos de um imenso salão circular com assoalho em madeira polida e altas janelas compridas, Clarissa para em frente a uma estreita grade ornamentada de ferro fundido. Do outro lado, uma escadaria profunda.
- Para onde você está me levando? - Pergunta Ivan assustado.
- Não tenha medo.
Clarissa destrava o trinco da grade metálica e começa a descer as escadas. No final da descida, onde a luz solar que vinha do salão já não mais os alcançava, duas tochas acessas ao lado de uma pesada e rústica porta de madeira maciça se encarregavam de não deixar os dois na penumbra.
Ela retira uma das tochas do suporte e entrega à Ivan, enquanto carrega a outra nas mãos.
Ao abrir a grande porta, Ivan se encontra em uma câmara muito semelhante à de Ágata. No entanto, esta parece abandonada há muitos anos. Não havia livros, estantes, cadeiras, poltronas ou qualquer objeto. O ar era extremamente abafado e pesado. Difícil de respirar.
Ivan é o tipo de pessoa que sabe se controlar em uma situação de risco. Mesmo sentindo medo, possui inteligência emocional e é capaz de raciocinar para tentar agir e resolver a situação ou salvar a própria vida.
Sabiamente ele deixou Clarissa dar os primeiros passos para descer os degraus que levava à parte baixa da câmara.
"Se por a caso ela tinha a intenção de me trancar aqui, vai precisar de mais astúcia para me pegar". Pensou enquanto via a ruiva de sardas descendo as escadas destemidamente.
Ela não inspirava confiança. Mesmo assim, Ivan estava disposto a pagar para ver em que isso iria dar.
Após cruzar a parte baixa da câmara de Clarissa, e algumas teias de aranha, eles subiram para o segundo piso onde no lugar de um portal existia apenas uma quadro velho e rasgado. Uma pintura antiga e irreconhecível ao bater o olho.
Clarissa permaneceu parada perto do parapeito enquanto Ivan se aproximava da pintura.
- O que é isso, Clarissa?
- Eu gostaria que você desse uma olhada. Me ajude a resolver este quebra-cabeças. Por favor, Ivan. Eu não posso contar com mais ninguém.
Ivan lança um olhar torto para Clarissa. Ele se viu diante de um transtorno. Mesmo assim, atendeu os pedidos da misteriosa garota de cabelos cacheados.
O quadro estava rasgado e extremamente empoeirado. Sujar as mãos só fez com que Ivan aumentasse sua impaciência. Continuou observando a pintura que ficava na altura de sua cabeça.
O pedaço rasgado da arte pendia para a esquerda, e por traz ficava exposta toda a estrutura de madeira da moldura antiga. Ele notou que preso à estrutura havia algumas folhas de papel entre as bordas do quadro e a moldura. Ele os retirou de lá com algum esforço. Pareciam bem presos. Mas tomou cuidado para não rasgá-los.
- O que são esses papéis? - Pergunta Ivan.
- Eu não sei.
- Parecem páginas de um livro. Você nunca leu isso aqui?
- Não.
Ivan apenas os deixou no chão ao seu lado e continuou investigando a antiga pintura.
Puxando um pouco o pedaço que restava da tela, ele pareceu ter visto algo. Imediatamente explorou os fundos da tela com as mãos e pareceu sentir um objeto esgueirando-se nos cantos da pintura. Quando o retirou, ficou espantado.
Ele segura o objeto nas mãos e mostra para Clarissa, que observa de longe.
Ela nada diz.
- O que isso está fazendo aqui? - Pergunta Ivan.
- Eu não sei o que é isso.
- Você não sabe o que é dinheiro?
- Dinheiro? Não faço idéia.
- Escuta, moça...
- Me chame de Clarissa, por favor.
- Ok, Clarissa. Eu agradeço que tenha confiado em mim para me trazer até aqui. Eu também agradeço a recompensa, mas eu preciso voltar pra casa. Acho que não sou o cara certo para isso. Nunca fui bom com charadas.
Ivan entrega o calhamaço de dinheiro para Clarissa, que segura o objeto nas mãos sem entender a reação do visitante.
- Não! Escute! - Clarissa tenta impedi-lo de sair. - Se isso tem algum valor para você, fique com ele. No entanto, eu peço que me ajude, por favor!
O rapaz coça a cabeça pois se vê em uma situação complicada. Ele não sabe onde está, o quão longe fica a sua casa, não conhece aquela pessoa e nem suas intenções. A essa altura, ele já se sente demasiadamente arrependido de ter saído de casa.
- Clarissa, vamos fazer da seguinte forma. Você me mostra onde é a saída e em um outro dia eu volto aqui para te ajudar. O que acha?
Aparentemente, Clarissa não gosta de ser contrariada. Ela franze o cenho e demora a responder.
- Certo. Tempo não é problema. - responde ela após um suspiro. - Vou te mostrar onde fica a saída, se assim deseja.
Clarissa leva as páginas que Ivan retirou da moldura e o calhamaço de dinheiro, então acompanha Ivan até a saída.
"Esse palácio é realmente enorme! Eu nem me lembro de ter passado por esses corredores" - pensou Ivan.
- De onde você é, afinal? - pergunta o rapaz par tentar quebrar um pouco o silêncio.
- Você não entenderia. É complicado.
- Mas então como você veio parar aqui, Clarissa?
- Isso é uma longa história.
- Se você quer minha ajuda para resolver esse lance do quadro, poderia ao menos jogar limpo comigo, não acha?
- Você não está jogando limpo comigo. Não voltará aqui para me ajudar, Ivan.
Ivan nada responde. Ele realmente não estava demonstrando disposição para ajudar, e sabia disso.
- A saída fica ao final deste corredor descendo a escadaria do salão mor. A porta está aberta. A partir daqui, você vai sozinho.
O corredor parece bem comprido. Ivan estica o pescoço para tentar enxergar o final, mas não consegue.
- Por que você não vai me acomp... Clarissa?!
A garota ruiva que estava ao seu lado desapareceu enquanto Ivan tentava visualizar o final do corredor. Agora ele estava realmente sozinho.
- Clarissa! ...Clarissa! Mas que droga!
Ivan começa a se sentir preocupado. Talvez tivesse entrado em uma grande fria. Mesmo assim ele segue adiante correndo até o final do corredor. Era um corredor externo, muito alto. Do seu lado esquerdo ficava a parede do palácio branco, e na direita, enormes colunas. A vista do parapeito era fantástica. Parecia que esta ala do castelo ficava na beira de um enorme precipício. Ao fundo, o sol exibia os seus últimos raios, tingindo o céu com um vermelho escarlate e lavando com seu brilho algumas nuvens despretensiosas que passeavam por cima das montanhas naquele grande vale.
Conforme Clarissa havia instruído, Ivan desceu as escadarias do grande salão. Era a parte da frente do castelo, muito diferente da porta de madeira pela qual havia entrado há algumas horas atrás.
Neste salão, havia um grande desenho no piso, nos pés da escadaria principal, antes da porta de entrada. O desenho era composto por um sol de um lado e uma lua do outro. Várias estrelas enfeitavam os espaços em torno da lua e raios de luz em torno do sol.
Na pressa de ir embora, ele mal se da conta dos detalhes do salão. Passa pela porta de entrada e fica extasiado pela exuberância da paisagem. O lugar era simplesmente incrível. Na saída havia uma extensa ponte de pedras, bastante firme e larga que atravessava um enorme abismo. Bem no começo da ponte, dois enormes obeliscos pontiagudas feitos de mármore branco impressionaram Ivan.
Mas a saída parecia bloqueada por uma estranha e maleável energia violeta que impedia sua passagem arremessando-o de volta para dentro do perímetro permitido, o palácio branco. A energia era quase transparente, bem sutil, mas impenetrável.
A força da repulsão do campo energético arremessava Ivan para traz a cada tentativa.
- Isso só pode ser um pesadelo! - Lamentou o rapaz.
"Ágata!" Pensou Ivan quando sentiu a dor e o sofrimento dela o invadir por dentro. Ele sentia Ágata chorando, desesperada por não poder ajudar.
- Como fui tolo em deixá-la do outro lado! Eu não deveria ter cruzado os limites daquele maldito portal! Ela tentou me avisar!
Ivan percebeu que apesar de um lugar paradisíaco como aquele, era só um truque para atraí-lo. Mesmo que Ágata vivesse em um local mais sinistro e tenebroso aparentemente, ela preenchia a velha catedral com alegria e conforto. Mesmo que o dia fosse feio e nublado, ou se o ambiente era antigo e assustador.
Ágata o confortava, ao contrário de Clarissa que apesar da aparência angelical, pareceu tentar manipulá-lo o tempo inteiro.
Ele precisava ir embora, mas Clarissa o impedia, pois ela era má. "Algum tipo de arcanista má" pensou ele.
Ivan sentia como se estivesse em um confinamento eterno. Aparentemente ele só sairia se fosse junto com a arcanista ruiva e através do portal por onde ele tinha entrado.
Talvez fosse tudo o que Ágata não queria, que aquela mulher pudesse atravessar o portal e surgisse no mundo real.
Ivan entrou nesse grande dilema entre conseguir voltar acompanhado do mau em pessoa ou ficar eternamente preso no palácio, longe de sua casa, de sua rotina e de Ágata.

A Câmara Secreta de ÁgataOnde histórias criam vida. Descubra agora