Cap. 12 (Final)

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Após dois longos anos de isolamento, Ágata sentia-se consideravelmente mais conformada. Aos poucos passou a retomar os estudos por conta própria. Estava interessada em aprender outras línguas. A quantidade de livros que havia nos jardins da catedral era o suficiente para que lesse pelo resto da vida. Protegia aquele lugar com a doçura de sua aura para não deixar o mal tempo destruir o seu acervo à céu aberto. Os fundos da Catedral enriquecia-se mais de vida à cada dia.
Um belo desfecho estaria completo após a conclusão do plano de Ágata e o ex agente federal, Kentarou Nakazawa, se um fator inusitado não tivesse ocorrido: A inesperada visita de Ivan.
Nesses dois anos que se passou, Ágata, agora com 17 anos e nitidamente mais bela, sentia sua alma duplamente desfalcada, sem a irmã e sem Ivan. Até agora, ele tinha sido o único a tocar profundamente seu coração. Uma paixão rápida mas persistente. Vez ou outra pegava-se pensando na maciez de seus cabelos louros, no toque de seus lábios ou no calor de suas mãos. A saudade doía. O isolamento a consumia. Precisava livrar sua mente dos pensamentos e lembranças perturbadoras. Ler era tudo o que tinha, era agora seu único hobbie.
No dia em que Ivan apareceu, ela lia Robinson Cruzoé pois identificava-se com as circunstâncias do marujo inglês que, ao naufragar, eventualmente viveu isolado por décadas em uma ilha abrigada por índios canibais, até salvar a vida de um deles e o acolher, passando a nomeá-lo de Sexta-feira. Simplesmente não compreendia seu dialeto e seus estranhos hábitos, mas se afeiçoou ao jovem índio. Sentia-se um pouco assim fora de Atalanis. Mas Ivan viera e involuntariamente transformou a sua vida mais uma vez.
- Ágata?!
A menina, surpresa, abriu um sorriso, deixou o livro sobre a tumba e foi em direção ao antigo amigo.
Ágata passou tanto tempo em isolamento que mal podia acreditar. Durante todo esse período, não tinha recebido nenhuma visita. Tão pouco a de Matheus, que simplesmente foi cuidar da própria vida em seu ateliê pessoal.
- Ivan?! O que você está fazendo aqui?
- Eu é que pergunto! - diz o garoto aproximando-se sem disfarçar a alegria.
Ela nunca havia levado nenhum amigo ou amiga para a Catedral, de modo que aquela pergunta a pegou de surpresa. "O que ela estava fazendo ali?". Ela vivia lá, oras! Mas não havia uma maneira de explicar aquilo para Ivan de forma plausível. Apesar de temer a reação do garoto caso ela simplesmente dissesse: "Sou uma arcanista do bem e vivo aqui para proteger o mundo que minha irmã maligna quer conquistar", ela sentia um enorme desejo de revelar a verdade, mas precisava ter cautela. Iria inventar uma história ou outra. Neste caso testaria a reação do garoto aos poucos.
- Eu sempre venho para cá quando não estou a fim de ir pra escola ou entediada. Prefiro ficar aqui e estudar sozinha que com os professores chatos do cursinho. Eu frequento esse lugar há anos, mas até hoje eu nunca tinha visto ninguém aparecer aqui. Quando você me chamou eu levei um baita susto! Há há há há.
- Nossa, Ágata, me desculpe. Há há há. Não queria assustá-la.
- Mas, Ivan, há quanto tempo, heim! Que legal te ver por aqui! Como você veio parar nesse fim de mundo?
Ivan estava tão impressionado em encontrar sua antiga amiga e tinha tantas perguntas para fazer que mal pôde formular uma resposta mais elaborada.
- Eu estava passando por aqui, e ... Nossa... Resolvi entrar nesse lugar. Mas... Que lugar incrível! O que é isso aqui?! Alguma espécie de biblioteca?
- Até onde sei, esse jardim sempre foi assim. Não sei explicar sobre o passado daqui, mas sempre que posso, trago novos livros para cá. Recentemente eu tenho procurado livros em inglês, pois estou muito interessada em aprender a língua.
- Agora há pouco eu encontrei um livro em espanhol ali atrás. - diz Ivan.
- A maioria dos livros de línguas que existem aqui são de espanhol mesmo, Ivan. Eu já até aprendi a falar em espanhol por conta disso.
- Não diga! - Impressiona-se.
- Por supuesto que hablo español! Hace tanto tiempo que no te veo. ¿cómo estás?
- Há há há! Eu não entendi nada!
- Basicamente eu perguntei como você está.
- Eu estou bem. E melhor agora!
Ela sentia-se tão feliz enquanto conversavam placidamente sentados ao pé da fonte.
Ivan estava mais lindo que nunca. O agasalho não escondia seus ombros agora mais largos e peito mais avantajado. Estava com uma barba rala no rosto que só se via bem de perto, pois era mais clara que seus cabelos.
- Ágata, desculpe tocar nesse assunto, mas... Eu gostaria de saber o que aconteceu.
- Sobre o que está falando, Ivan?
- Sobre você ter sumido de Campo das Flores há dois anos atrás. Da noite para o dia, você sumiu. Nunca mais deu notícias. Eu sei que nossa relação durou pouco, mas, apesar disso, eu nunca me esqueci de você, eu realmente estava gostando muito de ficar contigo.
Enquanto conversavam, ela notava a forma como ele falava enquanto olhava fundo em seus olhos. Nem se dava conta do que o garoto dizia. Apenas via os lábios dele se aproximando dos seus.
Um beijo longo e vagaroso interrompe a conversa, dando lugar agora ao silêncio do jardim e os estalos das línguas se tocando. Ele tem um beijo gostoso. Aquele que ela nunca tinha esquecido antes. A barba macia causava um arrepio em sua nuca.
"Será que eu estou sonhando? Eu não quero que esse momento termine nunca! Fique comigo, Ivan. Podemos viver juntos aqui". Pensou subitamente e sem raciocinar direito.
O coração dela dispara e então prefere não pensar em mais nada. Apenas se permite curtir o momento.
Ele sente aquele aperto no coração como não sentia há muito tempo. Era como se estivesse no céu, no paraíso com um anjo em seus braços.
"Mas para isso, ele precisa saber a verdade. Prefiro isso ao ter que mentir pelo resto da vida. Será que devo mostrar aquilo à ele?". Então ela se levanta.
- Vem comigo!
Ágata o puxa pelas mãos. Está decidida em mostrar algo para o ilustre visitante. Mesmo que somente um pequeno segredo de início, como a sua câmara secreta. Quanto ao portal, ainda sentia-se indecisa.
Os dois cruzam o jardim desviando de pequenas pilhas de livros espalhados pelo caminho. Nos fundos do jardim, basicamente no pé da torre direita, um pequeno lance de escadas leva a entrada de sua câmara. Seu atual lar.
Ágata solta da mão de Ivan e entra primeiro. Ele a perde de vista. Quando finalmente Ivan alcança a entrada, Ágata, já do lado de dentro no escuro ambiente à sua retaguarda, o espera sorridente e orgulhosa.
- As minhas maiores relíquias estão neste lugar, nesta câmara. - Explica Ágata. - Eu mesma organizei todos os livros que estão aqui dentro.
- Mas o que exatamente você tem aqui?
Ágata aciona o dispositivo ao lado da porta de entrada que fez com que uma grossa placa de vidro fechasse a passagem bem diante de seus olhos.
Ela solta uma gostosa gargalhada do lado de dentro. Aparentemente o vidro grosso também serve como isolamento acústico, pois ele nada escuta do outro lado. Ela torna a abrir passagem ao acionar novamente o interruptor na parede, libertando o agradável som de sua risada.
Quando ela contratou uma empresa de segurança domiciliar para lacrar aquela porta com esse moderno sistema, foi dicicil esconder deles seu portal ou qualquer que fossem seus segredos. O serviço saiu bem caro, mas pelo menos, caso alguém, de alguma maneira desse o ar de sua graça, seus livros e principalmente o portal estariam minimamente protegidos em momentos em que ela estivesse ausente.
- Você tinha que ver a sua cara! Há há há. - Ágata tira um sarro da expressão de susto de Ivan. Mas mantém-se atenta à aceitação do garoto. Se ele reagisse mal, ela pararia por aí.
Ele entra na brincadeira e também ri.
- Isso aqui é moderno demais em relação a tanta coisa rústica que existe nesse lugar. - Diz ele.
- O seguro morreu de velho, né? - Responde Ágata. - Eu tomei a liberdade de instalar esse pequeno sistema de segurança pois esse é o local que eu mais estimo em toda a catedral.
- Quem é que vai querer invadir esse lugar, Ágata? - Zomba Ivan do exagero da amiga sem nem imaginar as aventuras que ela vivenciou nos últimos tempos. - Você não parece fazer o tipo "mulher insegura". Há há há. Mas estou impressionado com o seu empenho. Ficou muito legal isso aqui.
- Então você ficou impressionado com a minha porta, é?
- Sim.
"Acho que vou arriscar a dizer à ele". - Decide Ágata em pensamento.
- E se eu disser pra você que aqui dentro eu também tenho um portal?
- O que?!
- Um portal! Sabe?
- Portal? Há há há. Depois dessa porta automática aqui, eu não duvido de mais nada.
Em uma explosão de alegria, Ágata o puxa para dentro.
Eles desceram alguns degraus e lá em baixo ele contemplou toda a decoração do ambiente. Nos fundos da câmara, um lance de escadas levava a um segundo piso, com um belo parapeito feito de madeira. Envolto em uma bem trabalhada moldura, estava lá o surpreendente portal de Ágata, aberto há mais de dois anos e sem uma viva alma que jamais passou por ali durante esse tempo.
Do outro lado, um cenário completamente diferente do céu nublado que fazia do lado de fora da catedral. O sol brilhava forte em um crepúsculo alaranjado. Havia um vasto campo florido e pétalas de rosas voavam e enfeitavam o céu. Escutava-se com clareza o som do canto dos pássaros em Atalanis. A brisa quente fazia os cabelos de Ágata balançarem com graça.
Ao observar a expressão de Ivan, que estava de queixo caído, sentiu um enorme arrependimento. "Acho que fui longe demais".
- Essa...essa abertura é enorme! - comenta Ivan boquiaberto!
- Três metros e meio, por três metros e meio, exatamente. - Completa Ágata.
- O que tem do outro lado?
Sentindo que talvez ele não estivesse preparado para tamanha bizarrice, ela tenta desconversar. Como diz o termo popular: Agir como um João-sem-braço.
- Eu não sei. - responde ela.
- Como, não sabe? - pergunta espantado.
Ágata sente como se estivesse colocando a corda no próprio pescoço para se enforcar.
- Na verdade, eu fico aqui só olhando. Eu não sinto algo bom vindo do outro lado. Logo, eu não atravesso.
Ivan lança um olhar perplexo para Ágata.
Sem pestanejar ele simplesmente se atira portal adentro.
Distraída, ela percebe a reação de Ivan tarde demais.
- Não! - grita ela.
Ágata já havia cruzado aquele portal uma vez junto com Kentarou, para deixar Clarissa lá em definitivo. Ela não podia passar por ali uma segunda vez. Seria impedida pela força mística que a repeliria. Ela sente-se completamente sem chão, como se seu mundo tivesse ruído bem diante de seus olhos.
- Clama, Ágata! Está tudo bem. Estou inteiro! Viu só? Não tem problema! Eu já volto. Me espere aí.
Ágata cai de joelhos sem forças para impedir Ivan, tamanha sua perplexidade.
Ela o vê se afastando a cada passo. Está neste momento absolutamente impotente. Sem fôlego para gritar ou pensar em qualquer plano, simplesmente deixa com que todo o esforço e dedicação para manter a estabilidade e ordem entre os dois mundos, passe por entre seus dedos com extrema facilidade.
Após alguns minutos desmontada em frente ao portal, e obviamente se xingar com veemência, ela retoma a consciência e parte para o encontro de Matheus à toda velocidade sobre as duas rodas de sua Harley.

A Câmara Secreta de ÁgataOnde histórias criam vida. Descubra agora