Vale da Lacônia, 432 a.C.
O dia estava findando. Folhas secas de árvores dançavam pelo ar levadas pelos Zéfiros além dos limites do Peloponeso. Um jovem alto, de olhar meigo e firme, corpo forte e troncudo, cabelos rasteiros, louros de um dourado feito os trigais e pele queimada pelo sol ardente, fitava o pôr do sol absorto. Diante de seus olhos passavam silentes as águas do rio Eurotas, onde outros jovens espartanos praticavam natação, tomavam banho e saciavam sua sede. Seu espírito percorria o vasto campo de sua existência, navegava pelo passado obscuro e tentava alcançar o futuro inexato. Sentia no fim de mais um dia a continuidade da vida que sempre anda até encontrar um empecilho que a detenha por um instante sequer, se retirar a pedra que barra a passagem. Respirou profundamente enchendo os pulmões de ar e fechando os olhos para ouvir o canto dos pássaros ao longe. Volveu-se e viu sua espada jazida no chão, quieta e inofensiva. Em seu punho ela se tornava uma arma letal e destrutiva capaz de fazer sucumbir qualquer um que cruzasse seu caminho.
Lisandro, esse era seu nome, era um esparciata, dono de terras onde hilotas trabalhavam cultivando cereais e vinhas. Filho de um dos reis de Esparta teve que esquecer o sonho de ocupar o cargo após a morte do pai, quando tinha apenas seis anos de idade, e se dedicar a ser no futuro um grande hoplita, viril, intrépido e obediente que servisse aos propósitos da cidade-quartel. Sua mãe morrera assim que o pequeno nascera. Era um homem órfão. Seu coração estava impassível a tudo isso. Não pensava em sua sorte, não reclamava aos deuses por seu destino nem chorava pelos cantos. Um espartano deve ser um bom soldado, duro, severo e indômito.
Pânfilo chegou atrás de Lisandro e observou-o por um tempo. Eram amigos desde os sete anos, estavam juntos sob o comando do mesmo irens, Sátiro, e lutavam lado a lado na formação de falange. Como dois irmãos confiavam um no outro, não havia segredos entre esses dois espartanos. Pertenciam ao mesmo universo humano. Unidos como se fossem um.
- Lisandro? – disse Pânfilo se aproximando.
Lisandro volveu para o amigo, sorriu e respondeu:
- Oi!
- O que faz aqui novamente? Está vindo para esse lugar todos os dias. A espera de um sinal de algum deus? Que é? Conta-me – quis saber. Havia um tom ávido na voz.
- Venho aqui para pensar, somente isso – respondeu num riso meigo e sincero.
- Ora não me diga que está querendo ir morar em Atenas. Querendo ser filósofo agora? – disse zombeteiro.
- Não é nada disso. Estou apenas revendo o passado. Recordando minha história.
- Ah, agora falou feito um verdadeiro pederasta ateniense. Vamos, Sátiro recebeu a visita de um éforo e quer vê-lo – disse saindo na direção do acampamento.
- Um éforo? Do que se trata?
- Como vou saber?
Que os próprios deuses se ocupassem daquele pôr do sol e também do passado e seus eventos petrificados. Um filete de luz vindo do sol tocou no lado direito do olho direito de Lisandro como que pedindo para que ele desse mais uma olhada no seu repousar. Contudo, o espartano não deu muita importância à súplica cósmica. Recebera uma ordem para partir e esquecer suas vontades próprias, obedecer agora tão só. Assim o fez.
O acampamento onde ficavam os jovens espartanos em treinamento militar consistia num pedaço de terra limpo, sem relva no chão, onde se erguiam tendas de tecido e madeira em torno de um círculo de pedras que servia para se acender uma fogueira todas as noites. No início da noite todos saiam para buscar alimentos e lenha para a fogueira. Às vezes algum jovem não retornava dessas atividades. Sobretudo os que iam atrás de alimento porquanto tentavam roubar dos adultos e acabavam sendo pegos. Levavam uma surra e eram levados para outro irens.
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Hoplita
Historical FictionUm espartano apaixona-se perdidamente por uma ateniense. A rígida sociedade ateniense, em que as mulheres sequer podem sair às rus sozinhas, impediria qualquer possibilidade desse amor prosperar. O que vai dificultar ainda mais essa história de amor...