Lisandro acordou com uma energia inexplicável percorrendo seu corpo. Sentia algo feroz e imensurável rasgando suas entranhas. Nunca havia sentido aquilo antes. Seria os resultados da seta de Eros que o feriara há algum tempo atrás? Talvez só agora o veneno do amor estivesse fazendo efeito. Provocando a sua morte interna possivelmente. Imaginava que tudo aquilo era uma força destrutiva apesar de sentir-se quase imortal. Só os deuses e tão somente eles tinham o dom da imortalidade. Uma dádiva oriunda da ambrosia e do néctar que degustavam no cotidiano místico e santo que levavam. Seus pensamentos variavam de um extremo a outro. Os minutos foram passando e a energia foi lhe causando ânimo. Começou a sentir uma impetuosa vontade de nadar nas cristalinas e doces águas do Eurotas. Lembrou-se de quando era criança que fazia seus exercícios diários dentro do rio que cortava o Vale da Lacônia com seu vigor soberano. Suas águas sempre vinham com uma vitalidade admirável. A verdadeira glória e força de Zeus estão presentes nas enchentes do Eurotas, diziam os espartanos.
Pânfilo chegou a Lisandro em seu catre. Percebera o silêncio e a passividade do amigo até aquele momento e achou-a suspeita, deveras anormal, já que os outros hoplitas e atletas saíram para treinar ou acompanhar os preparativos para os jogos daquele dia. Sua feição não denotava absolutamente nada. Estava impassível de ser analisada. Parecia uma ânfora selada. Seu conteúdo jazia obscuro.
- Você está bem Lisandro? – principiou Pânfilo numa tentativa de sondar sutilmente o território por onde pretendia embrenhar-se.
- Estou sim e não sabe o que me aconteceu... – disse Lisandro fitando o telhado do alojamento com um sorriso embasbacado no rosto.
Estava tão claro como a luz do dia o motivo do comportamento do amigo naquela manhã. Sua amada ateniense aparecera. Os problemas estavam se aproximando. Podia sentir os passos do gigante vindo em sua direção. Talvez fossem vários titãs e não só um. Era capaz de sentir a derrota iminente naquela batalha.
- Ela apareceu não foi?
- Sim. Ficamos juntos ontem. Mas não se preocupe. Estávamos longe da cidade. Ninguém nos viu. As pessoas estão bem compenetradas aqui. Não se vê um único indivíduo nos arredores de Olímpia. Pudemos desfrutar de deliciosos momentos um no seio do outro. Como Afrodite deseja de nós!
Falava envolvido num êxtase divino e fantástico. Seus olhos brilhavam de uma maneira nunca vista. Era uma luz distinta, peculiar e contagiosa. Despertava uma cadeia de sentimentos e pensamentos virtuosos. Tentava tenazmente apreender seu observador. Oferecia-lhe prodígios que se sabiam verdadeiros, contudo, perigosos em certos momentos.
- Lisandro, precisa ser muito cauteloso. Até mesmo para sair para fora do território da pólis é indispensável que seja sorrateiro. Se algo sair errado e for descoberto... Eu não quero nem imaginar no que será feito de ti. Não será só você. Seremos nós. Todos os envolvidos nessa história. Seremos descobertos todos e aniquilados.
- Sabe que não colocaria ninguém em perigo por conta de meus atos...
- Não se trata de denunciar ninguém. Simplesmente vão nos vincular ao caso. Todos que estiverem próximos de você sofrerão as consequências ao seu lado. Querendo ou não.
Lisandro levantou-se do catre brutamente dizendo com agressividade nos gestos e modulações da fala:
- E só isso lhe importa não é?
- E você só com o seu prazer, suas paixões... – iniciou dizendo rudemente Pânfilo, mas atalhou no meio.
- Sabe que isso não é verdade – interveio Lisandro num átimo iracundo.
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Hoplita
Historical FictionUm espartano apaixona-se perdidamente por uma ateniense. A rígida sociedade ateniense, em que as mulheres sequer podem sair às rus sozinhas, impediria qualquer possibilidade desse amor prosperar. O que vai dificultar ainda mais essa história de amor...