Amanheceu o primeiro dia dos Jogos Olímpicos. Olímpia estava efusiva. Não havia um centímetro vago onde se pudesse se colocar de pé. Visitantes de todo o mundo helênico estavam presentes. A beleza inigualável dos atletas em ação não podia ser dispensada, a oportunidade única de homenagear o deus supremo em seus jogos não era digna de ser relegada ao nada. Era uma oportunidade imperdível. Seria tolice não ir a Olímpia, não assistir aos jogos e não torcer e vibrar por suas pólis diletas.
Todos acordaram bem cedo, antes mesmo do nascer do sol. Comerciantes se espalharam pelas ruas da cidade, sacerdotes invadiram os templos, embaixadores das pólis de toda a Hélade se alojaram nas pousadas, artistas adentraram nos ateliês existentes por lá, peregrinos varreram as ruas, os templos, os ginásios, os pórticos e camponeses, soldados e políticos se reuniram nas praças para discutir o mesmo tema: os jogos daquele ano.
Nesse clima de agitação e entusiasmo onde se reuniam honra, glória, coragem e desafio extremo foram se desenhando circunstâncias e eventos fantásticos embalsamados de emoções humanas e fatalismo divino. Não se tratava mais de uma homenagem. Só uma homenagem revestida de maquinações políticas, mesmo que subjacentes. Havia um quê desconhecido naqueles jogos. Uma aura de esplendor e glória terrena, política talvez, não na sua forma prosaica, e divina percorria os recintos humanos e materiais.
Péricles e os reis de Esparta marcaram um encontro em um dos pórticos da cidadela. Estavam lá para os jogos, sob a trégua sagrada, contudo, não perderiam a oportunidade de discutir o movimento bélico que ambos fizeram. Representantes das cidades aliadas ou mesmo seus governantes estariam lá. Homens de Córcira, Tebas, Delos e Corinto fizeram questão de estar a par desse evento. Estariam no meio dessa discussão que prenunciava entraves e desentraves marcados por opiniões divergentes e defesas agressivas de seu ideais. Seria um momento de colocar à mesa assuntos relevantes, tentar explicar o desencadeamento daquele conflito tão desvantajoso para toda a Hélade e buscar um meio de apaziguar os ânimos, resolver esse embate antes que as perdas se fizessem faraônicas.
Zeus Olímpico aguardava ávido suas merecidas homenagens. Em sua paciência secular e sabedoria excelsa personificado na obra-prima de Fídias deixava que os passantes se ajoelhassem aos seus pés, que os atletas o reverenciassem e os sacerdotes o enchessem de glórias e louvores.
Seu olhar perspicaz caiu sobre uma mulher num corpo que não te pertencia com o intento de angariar momentos felizes, e nada mais.
Heládio chegou rente ao seu ouvido e sussurrou:
- Acorda luz púrpura de toda a manhã.
Aos poucos Ródia foi despertando. Conseguiu distinguir claramente a fala do amigo, então volveu:
- Não fale assim comigo. Você conseguiu me deixar num estado de morbidez muito amarga nos últimos dias. Ainda não acredito na sua condição para me trazer até aqui. Não cria ser você alguém tão egoísta. Uma amizade fundamentada no egoísmo. Você quer ter-me perto a ti. Enquanto o que quero eu? Isso sequer importa pra você, não? – fitou-o resoluta, com uma chama de decepção no olhar, uma decepção pungente. Por mais explicações que desenvolvia para justificar a atitude do amigo não se convencia severamente de que foi algo para ajudá-la, a coisa mais virtuosa e sensata destinada ao seu bem-estar futuro. Só conseguia enxergar por detrás dessa sua ação um meio de satisfazer os próprios desejos, seus sonhos e vontades. Precisava de Ródia ao seu lado. Então, tudo era permitido e estava além do amor e da paixão, além de sentimentos ardorosos e primitivos.
- Não fale isso. Por favor, fere-me mortalmente quando se dirige a mim com esse seu olhar de melancolia. Quero seu bem-estar incondicionalmente de qualquer coisa. Tenha certeza disso. Sei que parece ser o oposto, o avesso do que pronuncio, mas não o é. O futuro lhe confirmará que eu tinha razão.
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Hoplita
Historical FictionUm espartano apaixona-se perdidamente por uma ateniense. A rígida sociedade ateniense, em que as mulheres sequer podem sair às rus sozinhas, impediria qualquer possibilidade desse amor prosperar. O que vai dificultar ainda mais essa história de amor...