Hoplita

VI

O sol se estendia por toda a Ática em seu etéreo esplendor costumeiro. Os deuses não deixam de cumprir suas sendas, estão assaz arraigados em suas tradições milenares. O acampamento espartano acordava em perfeito ritmo. O treinamento ia muito além das técnicas e orientações para o campo de batalha. Era como se quase tudo que fizessem fosse manobrado pelo comandante. Estavam sempre trabalhando numa sincronia assustadora para o inimigo. Uma raça de homens sem igual. Ninguém em toda a Hélade seria tolo em negar isso. Era um fato peremptório. Quase que uma lei cósmica. Uma infeliz e mordaz lei cósmica.

Com o avançar da manhã os hoplitas das falanges de Lisandro foram se agrupando para os exercícios matutinos antes da missão diária. Seu comandante estava em seu catre ainda a descansar, deveras acordado ruminava momentos passados com Ródia numa sede arrebatadora de repeti-los. Acossado por essa guerra inoportuna e pela vilania dos deuses em armarem tudo de tal maneira. Somente eles eram os culpados de tudo ter sido como foi. Maldizia-os em alguns momentos, mas no instante seguinte pedia perdão e misericórdia. Era um pobre mortal que sofria por sentimentos transcendentes. Como não estão acostumados a essas luzes intensas capazes de transmutar qualquer matéria, os homens são levados a estados divergentes do dito natural, e, muitas vezes, nocivos de seu ser.

Lisandro levantou a cabeça e olhou de soslaio para fora de sua tenda. Lá vinha Pânfilo. Estavam um pouco distantes nos últimos dias. Suas maneiras divergentes de pensar sobre o seu caso com uma ateniense e o ataque diuturno de muitos inimigos os colocavam em furiosas discussões. Era um choque agressivo da preocupação de um pelo bem estar do outro e da falta de razão de um. Atacavam-se mutuamente na tentativa de vencer um ao outro. Uma batalha de resultados negativos para os dois lados. Nos embates dentro de uma amizade não existe perdas para um lado só, os dois lados perdem muito. Sofrem igualmente.

- Trago-lhe uma boa notícia – disse ao entrar na tenda.

- O que seria, neste momento, uma boa notícia para mim, caro Pânfilo? – disse Lisandro sem demonstrar nenhum interesse pelo que o seu interlocutor viera lhe dizer.

- Acredite. Vai gostar de saber. Ainda acha que não quero vê-lo bem? Lisandro somos praticamente irmãos. Tudo que mais desejo é que seus dias sejam banhados por bênçãos de Zeus e todos os demais deuses do Olimpo. E me parece que eles tiveram uma resolução favorável quanto a isso. Ao menos em sua perspectiva. A tensão entre Esparta e Atenas acabou deixando todo o mundo compenetrado nessa questão política e esquecendo um pouco as tradições religiosas. Mas elas acabam se mostrando com toda sua força no momento certo. E este é o momento certo. Mesmo que não estávamos esperando por ele. Sequer pensamos nele. Como se nunca houvesse existido. Onde vagavam nossas mentes? – concluiu num riso de gracejo.

- Não estou entendendo – disse Lisandro encarando-o atentamente com um brilho inquisitivo nos olhos.

- Acabou de entrar pelos portões de Atenas o mensageiro de Olímpia. O nosso cerco está temporariamente suspenso. Retornaremos amanhã mesmo para Esparta.

O acampamento espartano foi desmontado no dia seguinte à passagem do mensageiro de Olímpia. Todos os soldados retornaram à pátria. A agitação agora era em virtude dos renomados Jogos Olímpicos em homenagem ao deus supremo do Empíreo: Zeus. Logo os boatos começaram a surgir, diziam em toda a Hélade que tanto Esparta quanto Atenas estavam em desvantagem nas competições daquele ano devido às suas rivalidades e a guerra que travavam. Outros lembravam que muitas outras cidades estavam envolvidas no conflito e elas também se esqueceram do treinamento para os jogos. Espartanos volviam dizendo que viviam em constante treinamento e não estavam despreparados nunca. Sempre espreitavam uma ocasião de demonstrarem suas perícias físicas e atléticas. Vencedores de jogos anteriores se debatiam por dias inteiros em rígidos treinos em cidades de notoriedade inferior às das portentosas da Ática e do Peloponeso.