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I packed my bag, I'm on my way

I'm prepared for any season, I am prepared to stay.

Here is my heart, my beating heart.

                                                          (Love Letter to Japan - The Bird And the Bee)

Alguns quarteirões separavam o café da minha casa. E eu os venci com uma velocidade absurda. Parecia que, quanto mais rápido chegasse em casa, a distância entre o primeiro e-mail que receberia de Danny diminuiria. E eu tinha razão, só que ao invés de um correio eletrônico, ele deixara algo na minha caixa de correio. Tratava-se de um envelope azul. Sentei ali mesmo,  sob o relento do sol, nas escadarias que levavam a porta.  Encontrei um pequeno mapa, com algumas cidades da Ásia marcadas e as "instruções" de Daniel.

Ele não me escreveria cartas, pois talvez nunca chegassem e isso causaria mais ansiedade ao processo. Num pequeno pedaço de papel havia um endereço de e-mail e uma senha. Ali eu receberia mensagens de Danny. Segundo ele, seriam baseados em suas vivências no caminho. Sem muitas delongas, me explicou que não acreditava em felicidade e estava cansado dessa doença contagiosa que tem acometido a sociedade. E que as pessoas queriam uma vida baseada no filme Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates. Rios de doces pela sala, riso fácil, cenários espetaculares, riqueza. E esqueciam que até Willy Wonka, no meio de todo aquele ambiente glorioso, era bastante triste e insatisfeito.

—Se a humanidade encontrar a felicidade, com certeza vão ficar entediados, vão largar o sentimento em um cômodo da sala e vão buscar outra coisa inventada pela mídia. Ainda bem que essa porcaria não existe. As pessoas nunca vão encontrar isso. Vou provar. É que nem a fábula do pote de ouro no fim do arco-íris: alguém já chegou nesse lugar? Não. Vou pra Ásia, pois lá concentram-se toda a literatura e as religiões que as pessoas procuram quando cansam de suas vidas burguesas e querem se reencontrar. Vou te mandar o primeiro e-mail em breve, caso consiga conexão em algum lugar. Até mais!

Daniel Edwards era surpreendente. Eu não estava chocada com a viagem, pois ele é um dos seres humanos mais errantes que conheço, mas as suas motivações sempre foram tão estranhas. Ele nunca teve um propósito em nada que fazia. Ele só partia por inquietação.

Depois de uma semana de espera, onde o vento parecia mover as folhas das árvores em slow-motion e páginas do calendário resistiam bravamente, recebi o primeiro e-mail de Daniel.

Coloque um rock do Mohammad Rafi pra tocar na vitrola, pois cheguei na Índia.

Nova Délhi é absurdamente barulhenta e confusa. Até parece a sua cabeça atormentada (desculpe a analogia). Mesmo morando perto e dividindo o Oceano Índico com esse país, fiquei um pouco chocado com alguns hábitos culturais. Fiquei uma semana na casa de um praticamente do hinduísmo que conheci em um festival de música na Inglaterra há uns três anos. Seu nome é Rhafiki e é programador de uma multinacional. Tem 23 anos. Ele me levou para ver um funeral no Rio Gandhi assim que cheguei. As pessoas levam seus mortos para serem cremados nesse lugar. Apesar da imagem meio desoladora do rio super poluído, o misticismo do ritual acaba bloqueando essa parte negativa. Naquele momento, não sei te explicar muito bem, mas parecia que o tempo havia parado. É como se estivessem libertando a alma da pessoa do seu corpo terreno e você pudesse ver seus espíritos livres, dançando ao redor das cinzas. Você apenas sente que algo muito especial está acontecendo.

Aqui eles acreditam que o espírito é imortal. Confesso que no começo, diante de tanta meditação e pouca facilidade com o idioma, fiquei um pouco perdido. Na verdade, aterrorizado. É uma sensação muito claustrofóbica tentar compreender alguém e não conseguir. O fato de não conseguir me expressar me deixou furioso. É terrível estar com as mãos amarradas. Nessas horas você age como os pinguins do filme Madagascar. Só sorri e acena. Eles fazem muito yoga. Eu mal consigo fazer alongamento. Para eles é uma forma de controle. E a felicidade é algo... complexo. Ela só vai existir plenamente se você morrer e reencarnar várias vezes. Esse processo dura até que você seja livre de todos os prazeres efêmeros, os quais eles chamam de Samsaras. Ou seja, não é algo tão fácil. Você só reencarna, dependendo de seu karma. Ou seja, de suas ações aqui. Hoje você é uma pessoa e, se fizer muita coisa errada, pode vir a ser uma barata na próxima reencarnação.

Os hindus são um povo muito simples. Um dia, sentado na beira do Gandhi, vi algumas mulheres colocando um pequeno ramalhete de flores no rio. Os raios solares tocavam a água. Parecia uma cena de filme. Conversava com meu "orientador" sobre a maneira tão bonita que eles respeitavam os animais. Ele me explicou que devemos respeitar todo e qualquer ser vivo, pois ele pode ser um dos nossos parentes reencarnados. No começo, achei essa teoria bastante estranha, mas toda a religião têm rituais que beiram a impossibilidade, mas você segue como se fosse algo real e não um filme da Disney. Tem que existir essa fantasia de que há algo através da morte para que você se mantenha firme. Essa visão traz conforto para muitas pessoas. E é mais fácil seguir a vida confusa com um roteiro preestabelecido.

Nossa conversa oscilava entre a busca pela felicidade oriente versus ocidente, mas também sobre coisas bem típicas da Índia. Os prédios antigos e suas ruas empoeiradas. Ele me contou sobre como a vaca aqui é sagrada. Se você estiver atravessando a rua fora do sinal, junto com uma vaca, talvez a espécie bovina tenha mais sorte de não ser atropelada. Rhafik contou-me histórias divertidas sobre esse animal e também o lado triste dos camponeses que se veem obrigados a vender seus animais de forma camuflada para grandes indústrias de couro e de produção de carne. Rhafik, como ele se chamava, encheu seus olhos de lágrimas naquele momento.

— Eu não consigo imaginar o tamanho do sofrimento dessas pessoas e o que isso pode acarretar em sua busca pelo nirvana. Mas sim, algumas pessoas são vítimas dessa faceta do capitalismo.

—Ver isso deve te deixar bem infeliz, certo, Rhafik? — perguntei eu.

—Não Danny. Não há infelicidade em meu semblante. Talvez uma certa melancolia passageira. E saiba que eu não estou procurando a felicidade, pois ela não existe aqui. A felicidade virá depois, em outro lugar. Não é tendo ou sendo algo que eu vou conseguir meu nirvana. Eu preciso somente ser uma pessoa melhor a cada dia.

—O que é nirvana? É o céu? — questionei.

Rhafik riu por alguns segundos. Achei que tinha feito a pergunta mais idiota do mundo.

— Não, Danny. É um estado de minha mente. Eu faço ioga e medito todos os dias. Tenho que fazer isso por toda a minha vida. Quero me livrar de minhas sansaras e do meu karma. Isso vai ser a felicidade pra mim.

— Então a felicidade não está aqui na Índia? Então por que tanta gente vem pra cá?—questionei.

—Ah, as pessoas vem pra cá pra ter uma experiência, pra buscar o nirvana. Mas acabam deixando os aprendizados no aeroporto. É uma pena... Essas coisas você precisa praticar para o resto da vida. Buscar algo sério não é algo momentâneo. É uma jornada que não termina. É um caminho continuo.

Concordei com a cabeça e percebi que vir pra Índia, principalmente para alguns ocidentais, é um tipo de fuga, algo que você pode contar para as amigas do subúrbio que deixou para trás. A maioria busca uma experiência que salve suas vidas do tédio.

Aprendi muitas coisas com Rhafik. Ele é genial. Ele faz analogias maravilhosas. Apesar de ser meio cético em relação a religião, foi interessante saber mais sobre esse povo. Ainda estou impressionado que alguns homens não cortam os cabelos e os prendem em turbantes. Me sinto uma criança descobrindo o mundo.

Bom,  devo dizer que  a felicidade não está na Índia. Os indianos a chamam de Nirvana e não se trata da banda do Kurt Cobain. Depois de uma temporada comendo legumes e conversando com Rhafik, vou ganhar outros rumos. Vou pra China. Vou ficar na casa de uma garota, filha de um amigo de meu pai. Seu nome é Mya. Só vou poder ficar lá, pois seus pais moraram muitos anos na Alemanha e são um pouco mais liberais.

A Felicidade Segundo Danny EdwardsOnde histórias criam vida. Descubra agora