Dentro e fora do gelo

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Deixar o Cazaquistão não estava nos planos de Otabek

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Deixar o Cazaquistão não estava nos planos de Otabek.

Na verdade, os últimos anos vinham sendo uma tempestade imparável de coisas saindo dos eixos e, mesmo assim, Otabek não sabia se um dia iria se acostumar a essas mudanças. Afinal, esse era o princípio, certo? Que você nunca se acostumasse e se desse por satisfeito com uma realidade imutável.

O jovem cazaque estava muito bem tentando levar a vida, um dia após o outro, mas a senhora Hiroki sabia muito bem como convencê-lo a dar outro passo no escuro.

"Eu estou velha, morrendo. Não posso acreditar que meu único neto, tudo que me resta de família, está se negando a passar comigo meus últimos dias".

Ele sabia que ela não estava mentindo, exatamente, embora aquele teatro fosse um exagero. Dona Hiroki havia adoecido e sua idade avançada requeria cuidados, mas ela morava sozinha em Hasetsu desde... Bem, desde sempre.

Mesmo que toda a família de seu pai tivesse suas raízes do Cazaquistão, sua avó materna era japonesa. Não se lembrava de tê-la visitado mais do que algumas poucas vezes durantes alguns verões e, certamente, não pensava que algum dia moraria lá. No entanto, lá estava ele, na sala da casa da avó, separando os remédios que ela deveria tomar aquele dia no horário certo.

— Todos esses comprimidos vão me matar – ela resmungou.

— Mas a senhora precisa. Não pode ficar sem eles.

Era aquele mesmo discurso quase todos os dias, mas, naquele dia especificamente, ele estava um pouco mais preocupado que o normal. Tinha finalmente conseguido um bico, talvez temporário como DJ. Havia conversado apenas por telefone com o proprietário do lugar e trocaram alguns e-mails com informações relevantes e um portfólio com o trabalho de Otabek, que foi o que rendeu aquela tentativa.

— Eu vou sair daqui a pouco – Otabek disse – São quase 22h. Devo estar em casa apenas pela manhã. Deixei tudo separado sobre a mesa da cozinha. Se precisar de qualquer coisa me ligue.

— Eu já entendi, menino. Pode ir.

Mesmo dizendo isso, dona Hiroki puxou o rosto do neto para lhe dar um beijo antes de sair. Otabek não era muito de demonstrar emoções já havia alguns anos. Não era uma escolha, apenas aconteceu. Foram perdas demais em pouco tempo e sua maneira de lidar com isso não foi a melhor, mas foi o que manteve são até aquele momento. Mesmo assim, isso não o impediu de dirigir um curto sorriso a avó antes de pegar as chaves da caminhonete do finado avô, o equipamento que precisaria e sair de casa em direção ao endereço que lhe mandaram por e-mail.

Assim que pôs os pés fora de casa, apertou o casaco contra si. Tentava ignorar o frio que fazia naquele mês de Janeiro, mas era difícil. Não que sua terra natal tivesse um inverno muito melhor, mas, ainda assim...

Entrou rapidamente no carro, colocando o equipamento no banco do passageiro e rumou até o local. Hasetsu não era grande, por isso depois de passar por algumas curtas avenidas, seguiu por uma ponte comprida e vazia aquele horário. Bem, vazia até chegar perto de seu destino.

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