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Um grito que fez as paredes do apartamento tremer e um abraço incrivelmente mais apertado do que eu achei que fosse capaz. Foi essa a reação da Samara quando eu contei que ela estava diante do mais novo supervisor do setor de leitura da Águas do Brasil. E não era pra menos. Afinal, depois de três longos meses indo de casa em casa pelos quatro cantos dessa cidade, percorrendo lugares impercorríveis (gostou dessa?), levar um banho de água fria com a entrada do Ricardo e tudo mais, eu merecia aquela comemoração.

É óbvio que a comemoração um tanto exagerada teve suas consequências e outro grito tomou conta do ambiente: o choro do agora recém acordado Rafael Pereira.

Samara conseguiu acalmar o bebê e devolvê-lo ao seu sono inocente em tempo recorde antes de voltar e se jogar nos meus braços.

- Isso merece uma comemoração especial, heim? – Ela disse após um beijo longo, mordendo o lábio.

- Ahã. – Sorri.

A noite mais perfeita da qual eu me lembro de ter passado durou o tempo suficiente para eu não dormir nem um minuto antes do meu celular me obrigar a assumir as minhas novas responsabilidades. O meu primeiro dia estava começando e dessa vez não havia nada que pudesse dar errado.

Cheguei na Águas pisando em nuvens na melhor forma possível. Ainda na calçada vi quando o Diogo passou por mim antes de estacionar a sua moto.

- Caramba! – Ele disse, a voz abafada pelo capacete. – Viu algum passarinho verde logo cedo?

- Uma verdadeira revoada, meu amigo. – Respondi.

- Ahh. – Apesar de poder ver apenas os olhos dele, eu sabia que ele abriu um sorriso enorme. – O fim do resguardo, heim, safadão.

Dei uma gargalhada e entrei no escritório.

A maioria do pessoal já estava ali e eu pude ouvir a voz da Matilda antes de qualquer coisa. Ela estava falando com o pessoal do TI justamente sobre as impressoras compradas para darmos o pontapé inicial nas leituras simultâneas. Pela primeira vez em meses ela me olhou nos olhos quando passei por ela.

- Bom dia, Gustavo. – Ela falou com aquele sorriso típico. Eu teria feito uma careta se não estivesse tão feliz.

- Bom dia, Matilda. – Respondi.

Achava engraçado o jeito como o pessoal sempre me olhava quando eu usava apenas o nome dela e não o formal "dona". Simplesmente me recusava a tratar qualquer um ali – inclusive ela – como se fosse alguém do tipo "oh-meu-deus" depois do seu Gustavo. Eram pessoas como eu. Ok, com uma folha de pagamento que faria a minha se dobrar até sumir de vergonha, mas ainda assim pessoas just like me.

Entrei no aquário e vi cada rosto se voltar pra mim.

- Bom dia. – Declamei.

Não sabia se eles já sabiam ou se era apenas minha cara que chamou a atenção deles, já que alguns abriram sorrisos simpáticos em retorno.

- Estão todos aqui, Ricardo? – Matilda entrou na sala e ignorou completamente a presença de outro alguém além do Ricardo.

- Ainda não, Matilda, faltam o Diogo e a Cristina.

Ela olhou para o seu relógio de pulso com um movimento exagerado e eu temi pela vida dos meus colegas se já fosse 7 da manhã.

- O Diogo estava estacionando a moto dele. – Falei rápido, no exato momento em que ele apareceu no corredor.

- Bom dia. – Ele disse assim que entrou no aquário.

Levantei as sobrancelhas e me concentrei em ficar calmo. Não que o ambiente pequeno, fechado e lotado me ajudasse. Eu nunca tive claustrofobia, mas aquele ambiente específico me deixava desconfortável.

O diabo não quer (só) a sua almaOnde histórias criam vida. Descubra agora