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Naquela noite eu entrei em casa quando o relógio da sala marcava 1h10min da manhã. Eu estava me sentindo como se tivesse sido atropelado por uma manada de elefantes e desabei no sofá assim que o alcancei. E isso se repetiu noite após noite desde então.

O processo de migração não havia sido concluído naquela noite e nem na seguinte, para o desespero do Ricardo, apesar de contarmos com a ajuda do Bernardo o tempo todo. Eu me perguntava se as pessoas que estavam trabalhando no processo de migração realmente eram capacitadas para aquele tipo de trabalho, porque quando eu fazia perguntas sobre o programa sempre recebia uma resposta longa e evasiva, enquanto o Bernardo só precisava de uma única frase para me responder com a clareza de um diamante.

Quando finalmente a migração foi concluída – quatro dias depois – eu estava escalado para cuidar do carregamento dos dados nos pockets com o sistema novo todas as noites. O processo era simples: tudo o que eu tinha que fazer era transferir os trechos que o leiturista faria no dia seguinte para o pocket e no final do dia, quando ele retornava, descarregar as leituras no SAN exatamente como era feito em Campos. A complicação começava quando o programa que usávamos para que o computador reconhecesse o pocket não fazia a conexão e eu passava vários minutos tentando. Ou quando ele reconhecia, mas a transferência dos dados demorava. Lembro que na primeira noite um deles demorou quase duas horas para completar a transferência.

Essas foram às pequenas complicações daquele primeiro mês de leitura simultânea que estávamos começando na primeira semana do mês de setembro, quando todos os leituristas foram para as ruas apenas com seus pockets, impressoras e bobinas de papel em branco. Sem mais aquele peso de contas.

Mas não funcionou tudo às mil maravilhas como nós havíamos sonhado todas as semanas que antecederam a isso. Logo no primeiro dia a principal reclamação do pessoal era que a impressora imprimia na velocidade de uma lesma em coma: muito devagar. A segunda principal foi que o sistema novo não permitia que o leiturista fizesse a sequência que ele queria, o sistema estava pré-definido com uma rota que não podia ser alterada, como era possível com o PINGO. Os dois fatos somados causaram um atraso enorme na execução do trabalho e mais da metade dos leituristas não conseguiram concluir o serviço naquele dia.

Isso por si só já era o bastante para eu querer arrancar meus cabelos, mas ainda havia mais um agravante para mim: as retenções.

Enquanto com o PINGO as inconsistências eram analisadas antes de imprimirmos as faturas, com a simultânea esse processo era feito imediatamente. Contudo, quando havia uma variação muito grande de consumo, o sistema não imprimia a fatura do cliente e ela era retida, ou seja, trazida para o escritório para o responsável pelo faturamento (eu) analisar e enviar a fatura final para o cliente em 48 horas no máximo. E naquele primeiro dia, eu já tinha 157 retenções para estudar.

Eu podia sentir meus olhos ardendo pelo longo tempo que eu estava olhando para aquela tela de LCD, mas me recusava a piscar para garantir que eu ia acabar tudo aquilo cedo. Aquele primeiro dia foi o recorde: cheguei em casa passando de 3 horas da manhã. Dormir? Nã-nã. Apenas um banho, uma xícara de café tamanho extra grande e já saí de novo rumo a mais um dia (ou seria a continuação do anterior?) de trabalho na Águas do Brasil.

Na sexta feira daquela semana eu já havia perdido a conta das horas de sono que eu estava devendo para o meu banco de sono. Quando ouvi meu celular apitar eu até pulei na cadeira. Algo em mim interpretou aquilo como o despertador, quando na verdade era o alerta que eu havia recebido uma mensagem de texto.

Samara

03/09/2010 10:37

Caso você consiga uma folga no seu regime de semi-escravidão semana que vem, seu filho precisa ir ao pediatra.

O diabo não quer (só) a sua almaOnde histórias criam vida. Descubra agora