O último dia do mês de abril se ergueu com o sol acima dos morros que cercam Blumenau. Quando o meu celular despertou, exatamente às 6 e 10 da manhã, eu dei um pulo da cama e caí em pé fora dela como um gato.
Corri para a cozinha e tomei uma xícara de café realmente muito quente para poder acordar completamente antes de voltar para o quarto. Samara estava sentada na cama com uma cara estranha.
- Tudo bem com você, amor? – Perguntei enquanto localizava meu uniforme passado e dobrado sobre a cadeira em frente ao meu computador.
- Estou um pouco enjoada. – Ela respondeu. – Mas vai passar. O médico chamou isso de enjôos matinais, apesar de eles durarem o dia inteiro.
Ohmeudeus! Eu tinha me esquecido completamente que ontem havia sido a primeira consulta pré-natal da Samara e consequentemente nem perguntei como havia sido ou se estava tudo bem com o nosso bebê.
- E como foi ontem? – Tentei.
- Tudo bem. – Ela respondeu sem nenhum sarcasmo ou fazer cara de "você-não-deveria-ter-perguntado-isso-ontem?" nem nada. – O Dr. Rogério disse que está tudo ótimo com o bebê.
Me sentei na cama para calçar os sapatos.
- E ele falou se é menino ou menina?
- Ainda é cedo pra isso, amor. – Ela se levantou e me deu um beijo, antes de ir para o banheiro. – Só dá pra saber depois de umas 16, 18 semanas.
Um cálculo rápido me disse que seriam 4 meses de gestação. Ainda estávamos com 3.
Não que isso realmente tivesse alguma importância para mim. Menino ou menina seria minha cria e eu amaria da mesma forma. Claro que essa informação alteraria muita coisa, afinal, a decoração do quarto, roupas, escolha do nome e programas futuros dependiam dessa informação.
Hmm.
De repente me ocorreu outra coisa: ainda não havíamos discutido nenhum desses detalhes.
- Amor?
- Oi, Gustavo. – Samara respondeu do banheiro. Podia ouvir o barulho do chuveiro e me perguntei em quanto tempo o vapor impediria que os olhos enxergassem mais de um palmo adiante.
- Nós precisamos discutir alguns detalhes sobre o bebê, né?
- Eu tentei fazer isso na semana passada. – Ela respondeu assim que o barulho da água cessou. – Mas você estava muito cansado.
Culpado. Ok, essa última semana estava especialmente atarefada, estávamos trabalhando no setor 20 e, bem, são trechos muito andados. Onde eu e o Diogo estávamos ontem, por exemplo, a estrada era de barro e eu duvido que alguém ali soubesse o que significava "celular", "TV a cabo" ou "internet". Andamos ali durante o dia inteiro e até mesmo um lugar para comprar água parecia um oásis. Andamos e andamos até as 5 horas da tarde e tudo que meus pés, pernas, corpo e todo o resto queriam eram um banho e cama. Mal me lembro de ter engolido algo no jantar, que dirá discutir o nome do meu filho.
- Agora estamos no centro, a gente podia sair para jantar hoje, o que você acha? – Sugeri como forma de aliviar minha pena.
A cabeça de Samara apareceu na fresta da porta que ela abriu. O vapor escapava por ali como se fosse gelo seco.
- Hoje? – Ela respondeu com as sobrancelhas erguidas. – Você esqueceu que dia é hoje, Gustavo?
Acho uma pena não existir Ctrl+L no meu cérebro. Me pouparia de situações embaraçosas. Muitas delas.
Samara revirou os olhos antes de sumir dentro do banheiro e fechar a porta.
- Estou falando a semana inteira que hoje é aniversário da minha mãe e que íamos jantar na casa dela.
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O diabo não quer (só) a sua alma
Ficción General"É o seu trabalho, Gustavo." Algo disse dentro de mim, a cena típica em que você tem um anjo em um ombro e um diabo em outro, e eu não sabia qual deles estava falando. "Você precisa ir." Gustavo é um rapaz de apenas 25, recém-casado e pai de um bebê...