Capítulo XIV - A investida de Ana

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Aperte play e acompanhe a leitura ao som de "Hello - Adele".


Anabela:

Entrei na faculdade de Medicina Veterinária em 2015, que era meu sonho e tive que parar após uma bomba explodir no meu mundo. Quando terminei com o Hugo encontrei uma amiga do qual eu grudei. Ela se tornou meu tudo por dois anos, se tornou a minha Ohana em meio ao caos que minha vida e minha doença psicológica me faziam estar. Enquanto todos tentavam me enfiar a felicidade goela à baixo, ela transformava um momento normal em único. Ela era a alegria, empatia e o amor em forma de pessoa. Enquanto amigos e familiares viam nisso tudo "drama", ela enxergava além e via tristeza, via alguém precisando de atenção e cuidados.

Quando entrei em depressão ela pediu aos pais se eu poderia morar com eles porque ela queria cuidar de mim e novamente me senti amada por outra pessoa. Ela se tornou meu anjo da guarda. Eu sentia que havia perdido o Hugo e me senti sozinha no mundo, encontrei a Vivian e senti que novamente alguém caminhava ao meu lado. Mas foi no meu segundo dia de faculdade, no meu trote que eu recebi a pior notícia da minha vida. Estava voltando pra casa da faculdade que ficava a 50 minutos da minha cidade e estava dormindo, minha mãe me deixou em casa e foi ao mercado.

Estava subindo no prédio quando recebi uma ligação, ainda estava sonolenta:

- Ana? A Ju precisa muito falar contigo.

- Pode ser daqui 5 minutos? Tô subindo agora...

- Acho que pode. – era uma amiga da Julia.

Subi. E ao pegar meu celular recebi áudios da Julia chorando e só entendi a frase principal:

"Mataram a Vivian".

Foi a minha terceira perda em dois anos. Eu não consegui compreender nada dos áudios, era só choro, mas foi o suficiente para me fazer cair num choro profundo. Liguei para minha mãe e meu namorado da época e lembro que pensaram que algo havia acontecido comigo. Eu sentia isso, sentia que uma parte de mim havia ido embora com ela e talvez fosse a melhor parte. Se antes foi difícil me recuperar de uma doença psicológica, nessa fase foi quase impossível. Fiz coisas das quais eu não me orgulho, nem um pouquinho e por isso prefiro não citar. Foram meses difíceis demais e confesso que eu esperava qualquer sinal de carinho do Hugo. Larguei a faculdade dos meus sonhos por não aguentar a carga emocional que estava carregando. Quando eu o via na rua eu me sentia ainda mais fraca, sabe? Eu via na minha frente uma pessoa que eu havia perdido na minha vida e não por circunstâncias finais, mas sim por decisão, por erros... Fizemos uma homenagem para minha amiga no campo do clube de futebol da nossa cidade e lá estava o Hugo na arquibancada, ele não perdia um jogo. Nesse dia reparei que ele não tirava o olho de mim um segundo. Ele estava acompanhado da namorada e quando ela me avistou logo entraram em conflito. Minha amiga disse que para evitar a discussão com ela e poder me olhar, o Hugo se posicionou mais a frente que a namorada e ficou me olhando de canto de olho.

Quando olhei o twitter dos dois me deparei com indiretas que agora eu sabia que eram para mim. Ele havia posto "volto o relógio para trás tentando adiar o fim" e a namorada comentou sobre "tu sabe que isso me machuca", ele respondeu "é só uma música" e ela "tu sabe que não". Alguns dias depois ela favoritou "foda amar alguém que gosta de outra".

E foi em Junho que pude sentir a Vivian exercendo de onde ela estava tudo o que exercia na Terra e com muito mais força: eu senti uma vontade de virar o jogo, de ser feliz, de ir atrás do que eu queria... Já que o sonho de viver dela foi tirado brutalmente, eu queria viver por nós, por ela. Eu dei a volta por cima de uma maneira que eu nem sei explicar como. Larguei os tarjas pretas que tomava, que por sinal nem faziam mais efeito, sem nenhuma recomendação ou cautela Entrei em um curso de Administração e tive contabilidade.. Eu sabia que o Hugo fazia contabilidade e juntei o útil ao agradável.

"Chega de mais perdas Ana, corre atrás do que tu quer", pensei. A Vivian sempre me aconselhou a ir atrás do que fazia meu coração mais florido e eu nunca dei muito ouvido, dessa vez eu dei. Queria estar perto dele, mesmo que não presente na sua vida. Mandar umas energias boas, mandar amor, mandar paz, sabe? E então virei caloura dele.

Hugo:

Quando vi o nome da Ana na lista de chamada dos calouros eu fiquei assustado. Não entendi nada. Ela fazia Veterinária, era o sonho dela. Ela odiava contas... Se tinha um lugar que eu não esperava ver ela era na contabilidade, mas lá estava ela. Ela refletia uma aura de paz. Eu sabia o quão os últimos meses foram difíceis pra ela, e lá estava ela fazendo o que fazia de melhor: sorrindo e espalhando alegria para quem a cercava.

Quando eu a via, não conseguia tirar o olho. Ela era um imã. Podia ter uma multidão, mas o meu olhar era atraído imediatamente para ela e eu não conseguia mais tirar. E eu sabia que ela percebia, a Ana sempre reparou demais detalhes, uma das qualidades de escorpião é justamente essa: observar o comportamento das outras pessoas.

Anabela:

A porta do Hugo era na frente da minha e ele estava sempre na porta, ficava me encarando incessantemente. Acredito que se não tivesse aula ou se ninguém o chamasse, ele poderia passar umas duas horas olhando nos meus olhos sem expressar nenhum tipo de reação. Eu percebia que quando me aproximava e ele via, o tom de voz aumentava. Às vezes ele vinha até a porta da minha sala e voltava... Eram coisas que eu não conseguia não reparar, era nítido. Tão nítido que fui questionada pelas colegas de turma se eu conhecia o Hugo.

Resolvi pôr um "basta". Escrevi uma carta contando tudo o que sentia, era tanta coisa que foram 5 páginas de desabafo, disse que o amava ainda, que percebia os olhares e tudo o que ele fazia além, e que tudo isso me machucava. Pedi que parasse se as intenções não eram boas. Pedi perdão por cada mínimo detalhe e reforcei o quanto ele era essencial, mesmo longe, na minha vida. Deixei na casa dele e alguns dias após ele e a namorada terminaram. Uma semana depois era a Gincana da Contabilidade e eu estava numa roda de amigos, senti uma perna colando na minha por trás e quando me virei o rosto dele estava há uns 3 centímetros do meu. Meu coração gelou, acho que até parou de bater por alguns segundos, minha perna ficou trêmula. Foi rápido, acho que não durou 5 segundos, mas me desmontou por inteira.

Não posso confirmar se houve ligação, mas ele parou com os olhares. Começou a ser sutil. Me olhava quando percebia que eu não conseguiria notar, minhas amigas começaram a sempre me contar "amiga, não se vira, mas ele não tira o olho de ti". Não houve respostas, mas meu coração estava mais leve. Foi quando resolvi seguir um dos meus sonhos secretos, investi na música e comecei a gravar alguns vídeos no youtube. Algumas pessoas começaram a elogiar e se inscrever e quando percebi já estava com 2.000 inscritos.

Hugo:

A Ana deixou uma carta de umas 5 páginas no meu correio. Quando peguei, fiquei surpreso. Ela pedia perdão por tudo, pedia que eu fosse feliz e ressaltava que a porta estaria aberta quando eu quisesse conversar com ela. Disse que ainda me amava e que eu a estava machucando com minhas atitudes impensadas. Não soube o que responder e deixei assim. Eu confesso que a vontade de responder era grande, mas eu não poderia fazer isso com ela, com minha namorada e comigo. As coisas estavam diferentes de quando terminamos. Eu não era o mesmo, ela não era a mesma... Como a gente poderia, depois de dois anos, simplesmente voltar? Não fazia nenhum sentido.

O tempo passa, o amor nãoOnde histórias criam vida. Descubra agora