Capítulo 10: Acenos

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Perdi grande parte da minha noite folheando meu novo dicionário, deitado naquela cama que devia caber três de mim. Lady Jennifer não bateu na minha porta depois de ter assistido o filme com James, o que me levou a imaginar uma série de eventos pós-filme envolvendo os dois que me deixou enjoado. Esse pensamento foi o que me fez levantar da cama e começar a arrumar minhas coisas. Não que eu tivesse muitos pertences. Só tinha aqueles que alguém tinha trazido para mim, quando acordei aqui depois do acidente.

Então catei minhas roupas espalhadas, meus cadernos e livros e todos os meus itens de higiene e joguei de volta na mesma caixa de onde eles vieram. A perspectiva de voltar para minha rotina era apavorante, agora que eu tinha experimentado as vantagens de nascer em um berço de ouro. Por outro lado, eu queria voltar para minha vida. Eu tinha batalhado amplamente para estar ali. Na Inglaterra. Estudando sobre o curso que amo. Trabalhando para pagar minhas contas. Nada na minha vida nunca caiu do céu e eu estava ok com o fato de que tinha que batalhar por meus objetivos.

Quer dizer, quase todos.

Quando o dia seguinte chegou e eu me convenci que precisava procurar Lady Jennifer, comecei a amarelar. É claro que ela não queria que eu continuasse morando na mansão, mas dizer adeus parecia um pouco definitivo. Aquela conexão que eu tinha montado na minha cabeça ia se dissolver no momento que eu passasse pela porta e eu não estava certo que esse era um objetivo pelo qual eu queria batalhar. Do mesmo modo, não parecia certo achar que meu objetivo era manter contato. Porque só de pensar em encontrá-la minhas mãos já estavam soando. Era melhor para minha cabeça e minha vida que esse bendito link que eu tinha inventado continuasse só isso mesmo: uma invenção.

De repente, com o passar dos anos eu até poderia rir dessa história. Não no futuro próximo, com certeza. A lembrança do soco de James ou do desespero no rosto de Lady Jennifer ainda eram muito recentes para serem fonte de diversão.

Eu montei uma despedida na minha cabeça. Um discurso de poucas, mas certeiras palavras. Agradeceria pela estadia, pela preocupação e pela companhia. Diria que se ela precisar de qualquer coisa podia me procurar. Recomendaria que ela ficasse longe de parques, especialmente desacompanhada. Pediria para ela levar em consideração tudo que seu pai dissesse sobre sua segurança. Diria que sinto muito por tudo que ela tem passado. Desejaria uma vida muito feliz. E torceria para que ela nunca mais cruzasse meu caminho ou, Deus me livre, torceria mais ainda para ela não me convidar para seu casamento inevitável com James.

Evitei sair do quarto até a hora do almoço. Folheei mais um pouco meu dicionário, tomei banho, guardei meu pijama e até fiz a cama. Provavelmente a moça que cuidava do meu quarto ia desfazer e refazer, porque eu não era exatamente bom nesse negócio de fazer camas, mas pelo menos eu tinha tentado. Quando era perto de meio-dia, saí do quarto. Meus planos eram fazer o discurso durante o almoço, com o Duque na mesa. Assim Lady Jennifer não poderia ter nenhuma reação inesperada, como ficar na pontinha dos pés e beijar meu rosto.

Já estava sendo difícil suficiente esquecer um beijo. Talvez eu não fosse capaz de esquecer dois.

Peguei minha caixa de coisas e andei até uma das saídas da casa. A que eu sabia onde ficava era a que dava para o quintal dos fundos. Era possível acessá-la por uma varanda que saía dos quartos. Já no quintal, dei a volta na casa até encontrar um dos motoristas. Ele já estava ciente da minha mudança e me ajudou a colocar minha singela caixa na mala. Eu agradeci mil vezes e ele me encarou como se eu fosse maluco. Acho que membros da realeza britânica não tinham o hábito de agradecer mil vezes. Mas eu não era um membro da realeza britânica e também não conseguia controlar meus agradecimentos.

Voltei para dentro da mansão e caminhei lentamente pelos longos corredores. O mordomo não estava me seguindo daquela vez, o que era um problema. Eu não lembrava muito bem qual era o caminho para a sala de jantar. A culpa não era realmente minha, mas sim do tamanho daquele lugar. Segui pelo corredor um pouco incerto, dando passos para frente e para trás, sempre que achava que tinha passado do caminho correto. Será que eu tinha que virar em algum corredor menor? Eu não me lembrava de tantas portas.

Em certo momento, já estava perdido de verdade. Não sabia nem voltar mais para meu quarto, ou para o quintal. Não tinha mesmo a menor noção de onde tinha ido parar. Virei em lugares errados e abri portas que levavam para todo tipo de saleta, menos para sala que eu queria encontrar. Como é que gente rica se encontrava na própria casa? Jogava migalhas de pão? Já estava irritado quando abri mais uma porta, torcendo para que finalmente fosse aquela.

Não era aquela. Mas diferente de todas as outras portas que eu tinha aberto anteriormente, aquele cômodo não estava vazio.

O fato de Lady Jennifer estar dentro dele já era ruim por si só, pois estragava meus planos de ter uma conversa civilizada na mesa, durante o almoço e sob supervisão de seu pai, o Duque.

Mas o fato de Lady Jennifer não estar dentro dele sozinha, era imensamente pior.

Porque ela estava com James.

E não só com James. Ela estava beijando James.

Seus lábios estavam colados nos do garoto. A mão dele apoiadas em sua cintura. Seus corpos colados. E aquelas suas pequenas mãozinhas apoiadas em seus ombros. Eu congelei na porta por um segundo, incapaz de ignorar a cena e o desgosto que ela me dava. Eu dei um passo para trás, sem querer ser inconveniente. Lady Jennifer tinha o direito de beijar quem ela bem entendesse e é claro que eu achava que ela e James tinham um relacionamento, mas a forma como ela apoiava as mãozinhas nos meus ombros me deixava confuso.

Claramente apoiar as mãos em ombros não é sinal de nada.

Virei de volta para o corredor, sem me preocupar em fechar a porta atrás de mim. Só queria sair dali o mais rápido possível. E dali eu não queria dizer do quarto, ou do corredor. Eu queria dizer da casa. Olhei para trás uma última vez antes de correr, mas distraído com a cena lá dentro, bati em um aparador no cantinho do corredor. O negócio escorregou na madeira, fazendo um barulho absurdo. Eu nem virei de costas novamente para saber se tinham ouvido. Eu simplesmente fiz o que faço de melhor em situações de gênero: corri. De novo.

Perdido no meio dos corredores, só parei de correr quando cheguei no quintal. E mesmo assim, só parei tempo suficiente para recuperar o folego e começar a correr de novo. Até o motorista que tinha me ajudado com a mala. Ele me viu de longe e, provavelmente percebendo minha expressão, abriu a porta do carro.

― Obrigado ― eu disse. Pois mesmo sem folego não conseguia não dizer. ― Podemos ir, por favor?

― É claro, senhor ― ele assentiu, batendo a porta e dando a volta do veículo.

Quando ele deu a partida, vi Lady Jennifer aparecer na porta. Seus cabelos estavam bagunçados, como se ela também estivesse correndo. Seu vestido voou com o movimento, quando ela parou no batente. Eu vi seus lábios formarem meu nome. Não baixei o vidro. Não me mexi. Apenas examinei a cena. Eu queria guarda-la na minha memória. A Lady que eu tinha salvado sabe lá de quê, sabe lá de quem. O carro começou a se distanciar, deixando-a para trás. Eu me virei para vê-la ficar pequena, pequena, pequena...

Lady Jennifer levantou a mão e acenou.

Eu não acenei de volta.

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Olha eu postando o livro no dia certo pela primeira vez em milênios.

Gente, peço só um pouquinho mais de paciência: sei que estou devendo responder um monte de gente por inbox (66 pessoas, na verdade) e quero responder os comentários de T-O-D-O M-U-N-D-O, mas infelizmente a minha vida ainda tá um caos.

Tem sido muito difícil conciliar tudo que preciso fazer e pagar meus boletos com essa dedicação praticamente exclusiva que eu tenho para minha carreira de escritora. Tenho enfrentado bastante turbulência na minha vida pessoal também. 

Mas estou tentando. E vou sempre tentar.

Então, é isso. Um pouquinho mais de paciência! E mandem boas vibes. E quem puder me ajudar a ficar mais felizinha: comprem meu livro! Mocassins e All Stars! Também dá para comprar meus desapegos literários no instagram "pagandoboletos" e me apadrinhar no Padrim!

Obrigada.

Bjs,

Clara

SIR: um plebeu honradoOnde histórias criam vida. Descubra agora