Capítulo 3: Pedalando para o desconhecido (Sir)

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(Mais) uma semana depois

Parecia impossível, mas eu já estava saturado do cheiro de café. Passava a tarde inteira enfiado naquela franquia do Starbucks, dividido entre tentar decorar a matéria que eu tinha dado no curso naquela manhã e em não errar os ingredientes para um caramelo macchiato perfeito.

― Lucas! ― Seb, meu colega de turno, chamou.

Eu pisquei, olhando para Sebastian. Demorou um segundo para eu entender o motivo da bronca: estava confundindo os ingredientes de novo. Novidade. Eu falhava constantemente. Beber era muito mais fácil do que fazer aquelas bebidas, po!

Por sorte, Seb vinha sendo extrapaciente comigo e com meus deslizes. Isso porque na mesma semana que comecei a trabalhar, ele se tornou meu roommate. Ou seja, começou a dividir o meu apartamento comigo. E eu nunca havia me sentido tão rico na vida!

O apartamento já estava pago, mas o acordo era que Seb me passaria metade do dinheiro – em libras! – todo mês. Ele precisava urgentemente de um lugar mais perto do trabalho e da faculdade para morar, mas não conseguia bancá-lo sozinho. Ele disse que foi Deus que me mandou pela aquela porta naquela noite. Eu retruquei que devia ter sido Eros, mas ele não entendeu a piada. Inclusive ficou me olhando atravessado como se eu estivesse dizendo que foi o cupido que me jogou nos braços dele e não era exatamente isso que eu queria dizer.

― Cara ― ele explicou em inglês, apontando para meu copo. ― Você colocou brigadeiro no copo de caramelo macchiato de novo...

― Ih! ― eu fiz uma careta. ― Foi mal...

Seb gesticulou para que eu arrumasse com agilidade e virou de costas, para atender o próximo cliente. Acho que eles também eram extra cautelosos comigo porque sabiam que tinham me contratado em um regime, digamos, ilegal. Como brasileiro e estudante na Inglaterra, eu não tinha autorização pelo visto para trabalhar regularmente por lá. O que significava que eu era um contratado fora do regime regular e, por conta disso, muito mais barato...

Eu não sei quanto era o salário mínimo de um funcionário contratado legalmente na Inglaterra, mas eu sabia que estava muito feliz com o que eu havia sido prometido receber.

E, a melhor parte: no final de uns dois ou três meses, se eu fosse bastante econômico, seria possível comprar meu sonhado dicionário econômico.

O que era bom porque eu estava cada vez pior no que dizia respeito às minhas aulas. Sei que a ideia principal dessa viagem tinha sido estudar, mas a verdade era que o estudo era um pouco de pretexto. É claro que eu queria aprender e absorver o máximo possível, mas a viagem não podia ser só isso. E não seria. Meus pais não sabiam disso, é claro. Minha mãe provavelmente ficaria horrorizada quando descobrisse que eu estava trabalhando e meu pai com certeza entenderia errado o que eu queria dizer quando falava que a viagem não podia ser só estudar.

Seb dobraria o turno e continuaria noite adentro. O starbucks funcionava por toda madrugada, atendendo todo tipo de cliente noturno com ânsia por um café. Eu dobrava um turno ou outro também, mas Seb era o que mais fazia. Ele era o primeiro a se oferecer quando necessário, desesperado por juntar dinheiro também. Pelo que eu sabia, ele estava usando o dinheiro que recebia ali para ajudar a pagar a faculdade.

Era uma rotina exaustiva e, em apenas uma semana de trabalho, eu já estava sentido a estafa. Acordava cedo, andava até o curso, estudava inglês econômico a manhã inteira e comia no refeitório da universidade. Pegava uma bicicleta alugada em um dos pontos próximos do curso e pedalava todo caminho entre a universidade e o Starbucks, passando pelo Hyde Park. Deixava a bicicleta em outro ponto de estacionamento próximo, ia trabalhar e na volta alugava outra bicicleta no mesmo ponto e pedalava até em casa, passando pelo Hyde Park novamente.

SIR: um plebeu honradoOnde histórias criam vida. Descubra agora