Interlúdio 01 - Sombras que brincam na escuridão

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Começou como um sonho. Até virar um pesadelo.

Um pesadelo do nível mais terrível, aquele cujas sensações são vividas e se confundem com a realidade. Por segundos incontáveis, todo horror estava de volta. Tinha até mesmo sensação de dor, tão forte talvez, que isso o arrancou do sono e o jogou na realidade. Gritou, não pela primeira vez na noite. A garganta ardeu pelo esforço repetido.

Atordoado, Kankuro moveu-se na cama, embolado no lençol úmido de suor e acabou indo ao chão. Tentou levantar-se, mas ao apoiar as mãos no chão sentiu as mãos esmigalhadas pelos golpes do inimigo. Sensação paralisante que durou menos do que um segundo. Arfando em desespero, ergueu os braços e moveu os dedos de forma desordenada.

Estava bem. Estava tudo bem.

— Água — sussurrou com a voz rouca.

Apoiou-se no criado-mudo com dificuldade, para se por em pé. Os movimentos embotados, ainda sob efeito do pesadelo, saíram desastrado. Esbarrou no vaso de cerâmica que continha água e o derrubou, junto com outros objetos que estavam sobre o móvel. O som de quebradura ecoou alto no quarto. Fez o garoto se encolher um pouco, temendo ser o barulho de um jutsu indefensável. Deu-se conta de que o temor era infundado. Voltou ao que era mais urgente: a sede.

— Não!

Desesperado, voltou a cair de joelhos no chão, tentando juntar a água que o assoalho absolvia com rapidez. A única coisa que conseguiu foi cortar as mãos nos cacos e fazer sangue escorrer. Nem sentiu a dor dos ferimentos. Só queria a água. Precisava da água.

Foi apenas um sonho. Estão todos mortos. Foi apenas um sonho. Estão todos mortos. Eu matei todos eles!!

A mente frágil repetia como um mantra. Ele fugiu, escapou com vida. Se vingou de cada um de seus inimigos, aqueles homens que quebraram seu corpo e sua mente, tentando destrui-lo.

E a guerra seguiu adiante. E então matar ajudava a manter os monstros presos em suas jaulas. Mas a guerra acabou. E o alivio da paz que veio com o fim era apenas ilusório.

Na cabeça de Kankuro, todos os pensamentos viviam em guerra.

— Aquele som! O único som... aquele som. Não importa, queriam... queriam me aniquilar, mas eu sou mais forte — desistiu de tentar pegar água do chão. A sede era implacável, lembrava-lhe os dias mais sombrios da guerra.

Os olhos notaram algo a mais no chão, parcamente iluminado pela luz da lua que trespassava a janela.

Era seu remédio.

Odiava aquele recurso. Não o tomava a maior parte do tempo e vivia bem assim. Apenas na parte mais aguda de uma crise, por falta de opção, cedia. Quando suas alucinações eram tão fortes que tinha medo de mergulhar no pesadelo realístico a tal ponto que sua mente acreditasse ser a realidade e nunca mais conseguisse voltar para a sanidade.

Somente assim aceitava tomar o remédio.

Conseguiu pegar três dos comprimidos espalhados com as mãos tremulas. Jogou-os na boca, triturando-os com os dentes, porque achava que assim agiriam mais rápido. A sensação de dissociação era a pior parte sua mente se acalmando, mas sentindo como se estivesse em uma casca oca, como se o corpo não estivesse conectado com a mente. Como se fosse uma marionete...

Fez uma careta pelo gosto forte e amargo. A boca secou ainda mais. Os fragmentos mastigados desceram arranhando a garganta fragilizada.

— Não importa. Eu salvei meu irmãozinho, não é Gaara? Eu salvei você... — a frase soou baixa, rouca, direcionada a ninguém em especifico, terminando em uma risada desvairada, insana. Kankuro não tinha condições de se aperceber de nada além da mente caótica.

the only noise (KankuKiba/ShinoKiba)Onde histórias criam vida. Descubra agora