[15] O DILEMA DA GENTILEZA

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White People Problem:

Literalmente: problema de gente branca. Gíria popularmente utilizada para se referir a um problema de pessoas da alta sociedade.

 — Eu quase gosto dessa revolução – Vênus diz, enquanto morde um pastel vegano ao meu lado

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— Eu quase gosto dessa revolução – Vênus diz, enquanto morde um pastel vegano ao meu lado. – É sempre bom comer de graça.

Queria estar com a mesma animação – ou seria só fome? Minha amiga come todos os salgados que colocam na nossa mesa, como se não tivesse comido uns quinze antes. Não faço ideia para onde vai tanta comida, mas admiro. Também admiro o bom humor. Eu só gostaria de matar alguém. Ou, talvez, bater fosse o bastante. Seriamente considerando voltar para a academia que Bruno havia me levado, me matricular numa aula de luta e socar o que quer que se movesse a minha frente.

— A revolução tá longe de ser isso aí – resmungo.

— Deveria. Quer dizer, já parou para pensar no número de mulheres que surtam e procuram atendimento psicológico por causa da pressão social sobre nossa fisionomia?

Dou de ombros. Nunca foi uma questão que pensei muito, porque nunca foi algo que me incomodou. Claro, é fácil falar sobre. Passei a minha vida inteira abaixo do peso ideal, ouvindo médicos me mandarem engordar, para não parecer tão desnutrida... Não foi o peso que me incomodou na adolescência. Foi a falta de corpo.

Quando você é uma garota negra, as pessoas sempre esperam que você seja a mulata do carnaval da Rede Globo. Até você se dar conta de que essa mulata é um mito, você se odeia toda vez que olha no espelho.

Eu me odiei muito.

Aí eu aprendi a odiar os outros.

Foi a maior libertação da minha vida, porque, francamente, é uma delícia odiar.

— Sabe que isso me deu uma ideia? – Vênus larga o salgado sobre a mesa enquanto se sacode na cadeira. Tenho que conter a exasperação. Meu ódio não é dela. – A gente deveria falar sobre transtorno mental na semana acadêmica.

— Parece bom.

— Que é que você tem hoje, hein?

— O que é que você tem?! – devolvo, revirando os olhos.

— Estou comendo de graça, é isso que tenho. Posso comer o seu, inclusive?

Dou um sorriso descrente e Vênus pega a comida.

— Nada como muita comida para acabar com nossa raiva – ela resmunga.

— E você tá com raiva de quem, posso saber?

— Raiva, não. Só fico cansada às vezes. É desgastante ter um namorado que só pensa no futuro, o tempo todo.

— Pelo menos, ele tem um futuro.

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