3. A Odalisca

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Apesar do abismo que se formara no seu estômago por conta da fome, nada do que estava ali na mesa para ela, a dava apetite. Já a vários dias em cativo e depois num longo caminho para o norte, Lazima quase não se alimentara. Já perdia as suas forças, e fora a razão do colapso no hamam. O seu corpo já perdia aquela figura voluptuosa e saudável que ela tinha. Era uma coisa muito apreciada entre a sua gente. Os homens gostavam de mulheres com um quadril enorme, uma cintura fina. Se ela tivesse se comportado mais como uma boa moça, teria propostas aos seus pés.

Na mesa tinham tâmaras, variedades de queijos frescos, azeitonas, pão que acabava de sair do forno a lenha, frutas diversas. Ela pegou no pão e devorou como uma leoa faminta. Não era o que ela desejava, mas ia morrer de fome se se entregasse a sua depressão.

Gulsum Kalfa fez uma careta, e olhava admirada para o animal faminto que comia tudo que tinha ali sem respirar. — Era fome mesmo. — Gulsum abanou a cabeça. — E usa as duas mãos para comer?! — A mulher pegou a cabeça. — Será difícil.

Ela pegou uma tâmara e pôs na boca, mostrando-se surpresa com o sabor doce como mel que tinha; de vista nem parecia ser tão doce. Pegou outra e comeu, enchendo a sua boca; pegou um copo de água para ver se empurrava a comida, pois anda vinha mais.

— Gulsum Kalfa! — Uma odalisca veio do lugar mais remoto do palácio a correr. — A Valide pergunta onde está a nova moça. — Avisou, a odalisca ainda respirava ofegante.

— A menina tem fome. Já não comia há muito tempo. Perdeu os sentidos. — Gulsum disse num tom reclamação.

— Ela já espera há muito tempo e perde a paciência. — A moça advertiu. Não valia a pena deixar a Valide a espera.

Hadi gidelim, hadi gidelim (Vamos longo). — Gulsum Kalfa chamou a mulher que ainda estava ocupada com a comida. Lazima saiu de boca cheia atrás de Gulsum, que a levou até onde Hafsa estava.

As cortinas transparentes guardavam por detrás de sim uma colónia de mulheres de pele clara como a água, os seus olhos eram ornamentados com kadjal e vestiam finas peças de roupas a combinar com os chapéus que traziam. O grupo de pouco mais de meia dúzia de mulheres sentavam no chão a volta de uma mulher que se sentava num lugar mais alto, e tinha o seu chapéu também mais alto e pontiagudo, assim como de uma bruxa de contos de fadas; mas o dela era rosa e através dele descia um véu. Não precisava de ser uma adivinha para saber que ela é que mandava ali.

— Sara! — A Valide chamou, a mulher de cabelos lisos e olhos acinzentados, era filha de um pastor russo, cresceu com valores cristãos, e para mulher da sua época, ali ela encontrou um caminho para a liberdade. O que tinha de bonita, tinha de esperta e talvez até de traiçoeira. Ela sabia desde o primeiro minuto que ali pisou, qual era o seu alvo. Fora dita de antemão que seria a sultana de um imperio e abraçara a causa com devoção. Formara a sua própria colónia de aliadas com quem ia ascender ao nível de Goezde (favorita). Os privilégios de ser uma eram enormes; de primeiro não queria renunciar as suas crenças religiosas, mas uma mulher muçulmana tinha muito mais direitos do que ela alguma vez constatou na sociedade em que cresceu; as vantagens de conversão ao islão interessaram-lhe muito, e não tinha de ser uma escrava para sempre. Ela sabia que poderia um dia ser uma mulher de negócios, vender e comprar propriedades, assim como ser dona de propriedades sem que o seu marido tivesse nenhuma conta de tudo aquilo, poderia prestar empréstimos e talvez até tomar cargos de alta patente na sociedade e política. De qualquer forma seria um desperdício se a sua astúcia não fosse usada.

— O sultão acordou muito bem-disposto hoje. Está de ótimo humor. — A senhora saudou, a moça olhou para baixo acanhada. Só deus sabe a performance que deu na noite anterior; mas a Valide sábia de uma coisa, ela tinha de voltar. Desde os seus anos de adolescência, raramente viu o sorriso no rosto do seu filho. Cresceu para ser um homem sempre com os nervos a flor da pele; gritava com todo o mundo e era rude com todos, menos a sua mãe. Um homem que nunca pediu perdão e nunca pediu favor. A sua frieza não foi de nascença, mas foi adquirida, por conta daquele isolamento e a vida que não dava prazer. Ele só conhecia meia dúzia de rostos e vozes, da sua mãe, do Grand Vizir, do eunuco chefe, seu conselheiro e seu mordomo pessoal. As mulheres com quem se deitava pouco o diziam, pois, ele se sentia irritado logo que elas abrissem a boca. Apesar que seriam as mães dos seus filhos.

A Rainha do Harém [Desgustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora