Prólogo

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Eu não posso fazer isso, meu Deus!

Não posso!

Coloco a mão sobre a minha barriga.

— Ninguém vai me tirar você, filho.

Levanto e guardo dentro da bolsa as poucas coisas que tenho aqui. Morar neste lugar não foi opção, foi desespero. Desespero por pensar na ideia de perder meu pai, de imaginá-lo definhando sem poder fazer nada. Por isso, aceitei a proposta que me foi imposta. Mas as coisas não saíram como planejado.

Eu não conseguiria viver sem esse bebê, não mais. Senti-lo se movimentar foi o mesmo que acordar e perceber que minha vida está toda errada.

Jogo a mochila preta por sobre os ombros e abro a janela que dá para o telhado. Não tem a mínima chance de sair pela porta da frente, por isso vou dar um jeito de fugir de outra forma.

Alguns arranhões doeriam menos do que levar a diante algo que vai contra tudo o que sou. Quando, enfim, consigo pisar na grama bem aparada e extremamente verde, corro sem olhar para trás.

São apenas três quadras, que parecem vinte. Entro esbaforida na loja de antiguidades.

— Pai — grito.

Ele logo aparece atrás do balcão, segurando um castiçal ou algo assim.

— O que aconteceu, Lee? — Usa o apelido que minha irmã me deu com tanto carinho.

Quem diria que agora eu seria uma das pessoas que ela mais odeia.

— Preciso falar com o senhor. — Aquele era o momento decisivo. Meu pai saberia de toda verdade, ou, pelo menos, parte dela.

— Venha. Vamos lá para dentro.

Sigo atrás dele e sento-me em uma das quatro cadeiras que formam o jogo de mesa antigo que existe desde que nasci.

— Fala, meu encanto. — Ele fica ao meu lado e me incentiva.

Admiro seus olhos acolhedores. Ele perdeu peso, seu sorriso já não é leve, sua postura está desgastada, no entanto, o homem íntegro e cheio de amor para dar está ali.

Respiro fundo e conto o que preciso. Deixo claro que todas as minhas escolhas foram feitas com a melhor das intenções. Que aquilo daria certo... se meu coração aceitasse.

— Como pôde, Valerie? — meu pai não me repreende, apenas expõe sua decepção. — Você acha que eu aceitaria essa... essa injustiça?

Balanço a cabeça, negando veementemente.

Eu sabia que ele nunca aceitaria, mas precisava tentar.

— Não posso perder o senhor. — Enrosco-me em seu pescoço e choro.

— Filha... — Afasta-me delicadamente. — Um dia, os pais partem. Aceite, Lee. Não posso permitir que faça isso. — Alisa meu ventre. — É meu neto.

— Sim... seu neto. Meu filho. — Sorrio.

É incrível, porque nem sabia que desejava ser mãe até sentir a vida que cresce dentro de mim mexer.

— Ela vai me obrigar... — Minha voz morre.

— Nós vamos dar um jeito. — Ele pega o celular e, mesmo sem perguntar, já sei para quem vai ligar: Dasha.

— Preciso da sua ajuda...

Mais ou menos vinte minutos depois, a mulher que praticamente me criou entra apressada na cozinha.

Enquanto os dois conversam em particular, eu me debruço sobre a superfície de madeira e penso na confusão em que me meti. A ideia inicial era ótima. Era...

— Vocês vão embarcar no primeiro ônibus que sair daqui — meu pai anuncia. — Cheguem a Nova York. Tenho um apartamento lá. Não é grande, mas vai servir.

— Não, pai — rogo desesperada. — Não posso deixar o senhor.

— Pode e vai. — Ele me faz encará-lo. — Faça isso, filha. Por favor.

Nunca vi meu pai chorar. Ele não derramou uma lágrima quando minha mãe foi embora, nem quando descobriu sobre a doença. Mas está se desmanchando neste instante, porque nós dois sabemos que este pode ser nosso último contato.

— Eu te amo, pai.

— Eu também te amo, meu encanto. — Beija minha têmpora e sussurra no meu ouvido: — Seja extremamente feliz, Lee. Estarei aqui, torcendo por você. — Sorri de leve. — Lembre-se: longe dos olhos, perto do coração. Sempre.

— Sempre.

É com essas palavras que deixo para trás tudo o que conheço. Tudo o que penso me pertence.

Às vezes, a vida não é justa. Na verdade, ela é quase sempre impiedosa. Mas o importante é viver um dia de cada vez e jamais deixar o brilho de esperança se apagar.

Este conselho eu recebi do homem que me colocou no mundo, daquele que me ama incondicionalmente e o qual eu provavelmente jamais voltarei a ver.

MEU PRESENTE É VOCÊ - LIVRO III (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora