Capítulo 1: Talvez Amor

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Amar? Amar é deixar-se moldar.

O meu amor tem por volta de trinta páginas amareladas escritas em tinta de polvo e me custou oitenta dias, alguns fios de cabelo e um sorriso. O meu amor é escrever, ler, redigir.

Dentre todos os amores o meu é mais secreto, seu sigilo e severo e não deve ser comentado. É um daqueles amores que apavoram boas senhoras e deixam os moços de queixo caído e tudo isso porque sou mulher e nada mais. O meu amor é por isso proibido.

Totalmente proibido. É muito mais o é sendo pobre ou mestiça, é ambos o sou. Olhei-me na faca que usava, sou o próprio desafio, plenamente.

A vela apagou é me deixou em escuridão. Apenas agora noto que nem meu pai nem o jovem padre estavam aqui.

De certo subiram ambos aos quartos. Há três anos eu dividi a cama com meus irmãos, éramos quatro garotas e havia entre nós três moços, sendo eu a caçula. Éramos tantos que dormíamos com as cabeças em lados opostos para no ocupar mais espaço que o devido e assim dormíamos, todo quietos como pedras.

Eu sou a única restante em casa, agora duas de minhas irmãs estão casadas, uma faleceu há meio ano. Dos irmãos nem um se casou e todos dormem nos celeiros e nos estábulos da cidade. Minha cama hoje estaria ocupada e por isso voltaria a dividir morada com meus irmãos.

Diferente o padre, que dormiria no único como intacto da casa, eu não tinha qualquer influência, qualquer direito exceto o de ficar calada. Um padre tão jovem não levava nada exceto a desconfiança de uma cidade inteira, mas a diferença de mim ele era influente, ninguém nunca ousou desrespeitar um homem de Deus. Havia uma centena de coisas que eu poderia listar sobre o padre, mas grosseria não era uma delas.

Me lembro da cena de minutos antes. Ele me trata com o mesmo respeito que era dirigido ao meu pai me oferecendo pão e a cerveja fraca que me eram estendidos tinham sido feitos há dois dias por minha irmã e vizinha. Estávamos todos os três sentados próximos a mesa onde se encontrava a única vela acesa na casa cuja chama era tão dançante quanto as portas fora das dobradiças. Esta casa estava um desastre completo.

Fazia apenas algumas horas que tinha chovido de forma torrencial e meu pai ainda me olhava torto. O olhar indignado ainda era esperto e tratava de incrustar em si um sorriso diplomático ladeado. Kunz, meu pai, era um homem morto, muitos contam história da sua vivacidade de antes de eu nascer, antes de minha mãe morrer, a culpa e minha e todos diziam isso, de forma velada e em sussurros.

Os sussurros diziam que todos próximos a mim estavam fadados a morte, eu não digo o contrário. Primeiro minha mãe, depois meu pai, minha meia-irmã e agora meu mestre, Órion. muitas mortes para que ar pudesse explicar plenamente, todos eles escreviam e talvez seja isso o que eles têm em comum além da minha presença.

Terminando de lavar as roupas as estendi automaticamente, ar deixou meus lábios em um suspiro, estou imunda. Ir ao rio a essa hora não é uma opção.

Caminhei nas veredas enlameadas, com os pés afundando e não querendo voltar, quando cheguei me joguei no monte de feno que sabia pertencer a Jorge, meu irmão favorito. Estava tão úmido como eu. Tomei uma lamparina e a carta que Noah me enviou da academia pelo meu irmão que voltava da capital. Deve ser importante para ele arriscar expor minha habilidade.

Volto meu olhar para a carta de Noah, ele também escreve e seguindo a ordem ele também morrera cedo. Eu nem mesmo poderei escolher o morrer jovem, sentir o sufocar de morrer prematura. Eu sou mulher, uma mulher de cor. Mulheres nascem com seios e não cérebro, diziam. Tais idiotas não conheceram minha mãe. Minha mãe era bela. Cabelos vermelhos, longos como os meus, pele mestiça e olhos dourados.

Minhas lágrimas de resignação já molhavam a carta quando um detalhe bastou para chamar minha atenção. Um menino chamado Soren desistiu da academia de letras e está desaparecido. O navio de sua família afundou e ele sem poder pagar pela escola fugiu em desonra. Um nome novo para mim. Um garoto desaparecido para usar como testa de ferro era tudo o que eu precisava, obrigada Noah. Obrigada pelo presente codificado.

Meu nome me foi concedido no mesmo dia da morte de minha mãe, Renée, e ainda assim a desonro usando de nomes estrangeiros. Álya Lourdes morre aqui. Hoje eu serei Soren.

Quem dera meu próprio luto fosse o único que vivo. Quem me dera as palavras não pudessem destruir tudo o que há entre avida e a morte.

Talvez ainda haja esperança.

Talvez ainda haja amor.

Talvez ainda haja lugar para mim no mundo.

Talvez.

Álya - El Azabache [COMPLETA EM RASCUNHO - 1° ARCO] Onde histórias criam vida. Descubra agora