[2] Ninguém é perfeito

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— O filho de um Illuminato. Mas não um Illuminato qualquer. É o filho do Cavaleiro Negro, o braço direito do maldito Grande Mestre.

A voz repreensiva do meu melhor amigo, Timóteo Harrington, esquenta as minhas orelhas enquanto empurro goela abaixo mais um gole do uísque puro e sem gelo. Deixei Malquior adormecido no meu esconderijo secreto. Sua febre baixou e seus delírios anuíram, enquanto os meus devaneios decolaram, obrigando-me a afogá-los em uma caneca de uísque, ao lado de meu sóbrio e sério amigo.

— Conheces alguma erva que faça com que a febre suma? — digo, meio grogue.

— Não mude de assunto, Dimitri Blackheart.

Blackheart. Este não é o meu verdadeiro sobrenome e sequer lembro do meu verdadeiro. Mas autentifiquei-o fazendo jus ao meu ofício. Jamais batizaria meus filhos com este maldito nome.

Estou bebendo desde às cinco da manhã e não sei se quero parar. Na taverna, um bêbado dorme ao chão, em cima da poça de seu próprio vômito, enquanto uma prostituta corpulenta confere os trocados que recebera naquela noite, lamentando seu azar pelo infame pagamento. Acredite, sua infelicidade sequer compara-se a minha.

— Vai contar para Sameque, Dimitri?

Um arrepio súbito corre em minha espinha, quase fazendo derrubar a caneca de minhas mãos. Os Assassinos não podem saber onde Malquior está. Colocaria em risco a criança. A única pessoa que agora sabe de meu pequeno segredo agora é Timóteo.

— Não posso dizer aos outros que Malquior é filho de um Illuminato. Estarei pondo a vida dele em risco.

— E vai protegê-lo a qualquer custo, mesmo ele não possuindo o mesmo sangue que o seu?

— Exato. Você é o único que sabe meu segredo. Sinta-se um felizardo, Timóteo Von Harrigton da Genôva.

— Detesto quando fala meu sobrenome por completo. — bufa. — Pretende adotar este bendito menino ou o quê?

Não consigo imaginar a reação de Enna se eu trouxesse esse garoto para casa. Na certa, minha impaciente e tempestuosa amada pensaria que o tal garotinho de cabelos brancos é o meu filho bastardo com alguma puttana. Deus, antes fosse esta a verdade. Fazer Malquior conviver debaixo do mesmo teto que meus filhos, está fora de cogitação. Porém, não posso deixá-lo vivendo na escuridão e na umidade da caverna. Sua sanidade reduziria, sua pele entraria em um estado de putrefação e logo deixaria de ser um garoto normal, para viver como um selvagem.

Estou divagando demais. Deve ser o efeito maldito desta bebida barata.

— Não posso adotá-lo, Timóteo. Não legalmente.

— Leve-o para uma casa de adoção. Não achas mais seguro para ambos?

— Oh, se isso fosse o necessário para aliviar este peso que rasga a minha alma.

— Do que está falando, Dimitri?

— Matei os pais de Malquior. Ele nunca terá aquilo que amava de volta. Será infeliz pelo resto da vida.

— Fazia parte de sua missão. Todos nós sabíamos dos riscos quando resolvemos entrar no clã.

— Sou um desgraçado e tenho uma dívida de sangue com este menino.

— Já bebestes demais, meu caro amigo.

Timóteo arruma o braçal e creio que já tenha desistido de ouvir-me deste o primeiro minuto em que entramos nesta caverna.

— Não estou bêbado!

— Porém está quase a dar com a língua nos dentes. Queres contar ao mundo que és um Assassino? — sua voz altea-se entre a de um cavalheiro e um pai resmungão. — Ande! Deixe a bebida e caminhe para teu lar.

Assassino dos Olhos Cor de Sangue [fanfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora