[3] Desculpe-me, eu te magoei

224 97 15
                                    

Ocultar de Malquior o malefício que lhe fiz e levá-lo em segurança para a guilda em Jerusalém, em uma viagem perigosa mar afora, iria atingir diretamente a pessoa que mais amo.

Enna Bellini.

Ah, apaixonei-me por ela numa infortunada manhã, em que o sol castigava Florença com seu calor infinito. Declinei ao lado de um velho poço, sedento, muito ferido e com os ossos do corpo deslocados depois de uma intricada luta com um homem de trejeitos descomunais. Meu adversário, duas vezes maior que o meu tamanho, esmiuçou-me. No fim, acabei matando-o, pagando o preço das dores infernais que gritavam pelo meu corpo.

Foi quando ela surgiu... Linda como um oceano de lírios. Formosa como um céu de estrelas cintilantes. Bondosa, como um anjo. Tirava a água do poço, puxando o balde com a corda que machucava a palma de sua mão de textura macia. Quando viu-me mais morto que vivo, espantou-se de uma forma que pensei que gritaria ou chamaria os guardas. Mas não.

— Oh, meu Deus — tratou de amparar-me. — Você está bem?

Não queria estragar aquele doce momento com minha voz engasgada pelo sangue, preso em minha garganta. Queria admirá-la um pouco mais. Guardar a ternura que nunca tive em um lugar especial e escondido em meu coração, longe de toda maldade que eu sofri e cometia aos outros.

O paraíso não parecia mais uma mera ficção para mim. Era tão palpável quanto a pétala frágil de uma peônia.

— Senhor? Estais bem?

Definitivamente, não almejava falar. Mas algo remexeu em meu estômago, torcendo meus ossos, queimando meu esôfago e por fim, saindo de minha boca como um imenso chafariz de puro sangue.

Pensei, um Assassino experiente com matanças e novato com mulheres, que a bela donzela de cabelos castanhos e ondulados, teria nojo de minha condição de bêbado.

Não sei o que ocorreu depois. Desmaiei. Quando acordei, estava enfaixado como uma múmia enquanto a jovem do poço e uma velha senhora, olhavam-me como se eu fosse uma peça rara do museu.

Por causa dos meus olhos. Meus malditos olhos vermelhos!

Não preciso acrescentar o fato de que durante boa parte da minha infância e início da adolescência, quando trabalhei como cuidador de porcos, fui judiado por todos por ter olhos diferentes. Quando a mulher que eu tinha por mãe morreu, tudo piorou para mim. Vi-me sozinho, isso até Timóteo surgir em minha vida.

Aquela bondosa camponesa que ganhou-me com um sorriso, chamava-se Enna. Nina, sua mãe, foi a responsável por enfaixar-me. Passei algum tempo naquela casa, recuperando-me de meus machucados. Conheci o aconchego. Em muito tempo, conseguir rir com sinceridade.

Quando minhas feridas sararam, demarquei como a oportunidade perfeita para ir embora daquela casa. Mas o que sentia por Enna não permitiu minha partida.

— Fique para jantar — Enna dissera.

Não me convidara. Tomei aquilo como uma ordem.

Com um sorriso, ela me conquistou. Com um beijo, roubou meu coração. Vivecíamos um tímido amor proibido. Um ano depois, Enna encontrava-se grávida.

Eu poderia ter fugido como um covarde, somente para assegurar sua vida e a do fruto que desenvolvia-se em seu ventre. Porém fiquei. Eu a amava com toda a minha alma. Dizem que Assassinos não amam. Bom, eu tenho a audácia de proferir que amei e fui amado.

Com duas pequenas condições. 1) eu nunca contei meu segredo para Enna, se ela imaginasse que eu era um Assassino, teria-me por ceifador e afastaria meus filhos de mim. 2) nunca oficializamos nosso casamento. Ora, que sobrenome daria a minha esposa e aos meus filhos? Um sobrenome fajuto criado por mim, reconhecido por meus inimigos que acabaria por destruí-la e a mim?

Assassino dos Olhos Cor de Sangue [fanfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora