[6] Sivis pacem para bellum*

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 Estou em uma batalha que não me trará tranquilidade, mas a morte.

Mesmo depois de anos que bebi do cálice da guilda, os símbolos agitam-se em minha memória como partes de um quebra-cabeça confuso e esquecido. Atormentam-me durante dias e durante as noites quentes, acordo atordoado sob o olhar de preocupação de meu pupilo.

Já se passou quatro anos desde que Malquior fora adotado como parte da guilda. É um garoto extremamente obediente e centrado. Maduro demais para seus dez anos. E isso tende a me assustar um pouco.

Os símbolos retornam outra vez. Minha cabeça lateja com força, como se uma marreta houvesse me atingido de forma covarde. Meus olhos lacrimejam, obrigados a rastrearem os incômodos enigmas distorcidos que manipulam minha consciência. Eu era jovem quando fiz minha iniciação na guilda, um pouco mais velho do que Malquior é hoje. Eu um garoto intrépido — de 14 anos — a quem foi confiado pelos Anciões. Pensei que com o tempo, essas alucinações sumissem, ao contrário, ficaram fortes e fora de controle! Nem mesmo quando fico bêbado, elas amenizam.

Os Anciões confiaram em mim, pois viram justiça e bonança em meu olhar. Os Anciões estavam errados. Não consigo suportar tantos fardos.

Não desejo essa sensação maldita para não ninguém, nem mesmo para meus inimigos.

Mentore, aqui está seu chá — Malquior oferece-me a xícara rachada com poção de erva-de-tigre.

— Não sei o que farei sem ti, bambino.

— Melhor?

Assinto.

Ele tem somente dez anos. Mas comportar-se como um refinado adulto. Receio que eu seja o responsável por está privando-o de sua infância, afogando-o em treinos que domam sua mente e corpo. Ele tornou-se o melhor combatente da guilda, mesmo com tampouco idade, envolvido em missões pequenas, das quais fiz questão que não envolvessem mortes;

Mentore, o senhor tem família?

Seria um ótimo momento para lhe dizer que deixei minha família em Florença, minha amada Enna e meus dois filhos. Porém, não digo. O nó entalado em minha garganta impede-me de falar.

— Por que perguntas, Malquior? — depois de tanto tempo junto a mim, achei que não tivesse curiosidade.

— Só uma perguntinha boba, mentore — seus olhos vasculham cada centímetro do meu rosto.

Beberico meu chá, lentamente, desviando-me de responder a pertinente pergunta de meu pupilo.

— Um homem na feira abordou-me, mentore. Disse para mim que sou um iluminado, filho de um homem iluminado, que vive ao meio de ratos mentirosos.

Por pouco não engasgo-me.

— Quem lhe disse isso? — minha voz sai rasgada de minha goela.

— Não o conheço, mentore. É um velhote pançudo que trabalha na barraca de carne. Mas, o que ele quis dizer com isto?

— Peço-te que não dê ouvidos para falácias de bêbados, Malquior.

Mentore, estais se tremendo.

Nem mesmo percebi que minha mão sacode de forma inquisitiva.

— Está tarde, Malquior. Vá descansar. Amanhã, terás treinos.

Deixo o chá de erva-de-tigre e finjo que vou deitar-me. Preciso descobrir quem é a pessoa que está a mexer com a cabeça de Malquior.

❈❈❈

Sigo Malquior, quebrando algumas regras em deixar meu discípulo andar pelas ruas de Jerusalém sozinho. Como um gatuno a luz do dia, escalo as paredes e sutilmente ando sobre o telhado das casas, sem perder de vista, Malquior, que novamente vai a barraca de carne, na tumultuosa feira. Adentra o lugar, deixando-me apreensivo. A areia e o vento do deserto cobrem minha visão, e tudo que posso fazer é esperar.

Meu discípulo então sai. O rosto pálido, a todo instante, assentindo para o vendedor de carne. Dissera algo à Malquior... talvez, contara a verdade sobre a origem do garoto... Impossível, a menos que ele seja... um maldito Illuminato!

Espero anoitecer para enfim agir. Não escondi este segredo por anos para tudo ruir a tona.

❈❈❈

Encurralo o maldito em um beco escuro. Da minha espada saem faíscas a medida que risco a lâmina no muro. O maldito é realmente um Illuminato. Um infiltrado da Seita em Jerusalém. Depois de uma hora de tortura, confessou-me que há tempos vem rodando a figura de Malquior, pois o achara deveras parecido com o falecido Cavaleiro Negro.

Confessou, meu Deus, sobre o verdadeiro passado de Malquior ao menino. Dissera que o incêndio que matou seus pais, fora criminoso, feito por um Assassino. Não aguentei-me. Enquanto o espancava, meu coração ruía, pois sentia que a verdade estava aproximando-se e eu tolamente somente havia a adiado.

Era culpa minha. E era por isso que Malquior, ultimamente, olha-me de maneira estranha, sempre a esgueirar-se de mim.

O maldito arrasta-se no chão, fugindo de seu destino. Matarei este maldito Illuminato para que não envenenes mais a Malquior.

— Sabes por que estais aqui? Pareço familiar para ti?

Estou perdendo a cabeça e a paciência.

— Responda, infeliz!

— Não e não, miserável! Trouxestes-me até aqui. Emboscou-me e feriu-me! Assassino! Quem és tu, canalha? A justiça será feita!

— Justiça? Carrego cicatrizes em minha alma e coração. E elas precisam ser sanadas.

Em um movimento rápido, o mato, aniquilando a vida daquele verme delator. Cambaleio até o fim do beco imundo, olhando para a brilhante lua cheia que ilumina a poça de sangue deixada por mim. Caio de joelhos, ofegando.

— Perdoe, Deus, em tudo que falhei... — o rosto de Malquior veem a minha mente. — E por tudo que ainda farei.

❈❈❈

Ao chegar em meu esconderijo, deparo-me com Malquior sentando em frente a lareira, com meu diário em suas mãos. Estremeço-me, sentindo a minha ser tragada pela escuridão.

— Então, mentore, gostaria de me dizer qual o seu maior pecado?



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Esse capítulo foi uma singela referência a apresentação "Dois Passos Para o Inferno", onde [spoilers] Dimitri mata um desconhecido em um beco fedido. Usei de liberdade criativa para ilustrar por que Dimitri fez tal coisa. Já peço desculpas por qualquer erro ortográfico.

*Sivis pacem para bellum - se quer paz, prepare-se para a guerra.

Assassino dos Olhos Cor de Sangue [fanfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora