Iktsuarpok

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Iktsuarpok: (n) Inuit. Sentimento de antecipação quando você está esperando alguém. Espera impaciente por uma visita.

   Quando a Aline me disse que precisava conversar sério comigo, não imaginei que fosse em tamanho grau. Depois de ouvir tudo o que ela tinha a dizer, não consegui emitir um som sequer, nem inteligível, nem inconsciente. Uma possível volta do grupo já vinha sendo discutida há alguns anos e eu sempre achei que era o mínimo que poderíamos fazer por nossos fãs, mas nunca havia contado com a formação original, uma vez que contato com Luciana era algo que não tínhamos.

   Demorei alguns minutos para entender a proposta que nos havia sido feita. Ter as cinco juntas novamente num palco era um sonho distante, não impossível. Voltar àquela rotina maluca de ensaios, shows, participações em programas era, ao mesmo tempo, caótico e alegre. Mas também significaria voltar a vê-la. E, por mais que tenha passado tanto tempo, e eu tenha desejado tantas vezes, não sabia se estava preparada.

   Tive duas semanas para tentar me acostumar à ideia. E, por vezes, pensei em dar alguma desculpa convincente para não aparecer no dia. Mas para isso eu precisava me convencer antes de que não queria ir. Meu id travava uma luta exaustiva com meu superego e, no final das contas, o ego não chegava à nenhuma conclusão. Dizem que o amor faz o tempo passar, mas que o tempo também faz o amor passar e eu acreditava piamente que era esse o caso. Mas e se o tempo não tivera sido suficiente para o tamanho do amor? Eu saberia reagir sem me envergonhar? Eu saberia iniciar uma conversa sem deixar escapar qualquer resquício de mágoa? Acabei compreendendo que não adiantaria adiar o reencontro. Agora ou em um futuro próximo ele teria de acontecer para suturar as feridas abertas.

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   A lua, que permanecera do meu lado pelas 5479 noites que se seguiram ao último adeus, aproveitara para trazer a nostalgia na madrugada anterior. Me peguei mais uma vez pensando nela. Seus olhos brilhavam mais do que suas joias, sua boca tinha cor de morangos frescos e sua pele, a textura de pêssegos. O sol se parecia com o seu sorriso e sua voz era um doce cantar de pássaros. O arco-íris parecia apático perto dela. As águas se abriam para lhe dar passagem, as flores não ousavam sobrepor o seu perfume. Ela trouxe o verão para os meus lábios, me ensinou a liberdade dos momentos simples, a grandeza de um toque. Ela foi uma paisagem pintada com carinho pela natureza, até que rompeu meu último pedacinho de céu. Só me restaram as memórias caídas de um outono que se converteu em inverno para a minha dor.

   Me esvaziei em diferentes tempestades, dificultando o plantio de qualquer nova semente que demonstrasse interesse de crescer em mim. Houve uma época em que minhas terras secas corriam riscos de desabar constantemente, mas eu respirava fundo e usava o ar puro como forma de contenção. Esse inverno perdurou por bastante tempo antes de que a primavera voltasse a florescer meu jardim.

   Eram bonitas as flores. Tulipas, girassóis, margaridas. Mas nenhuma se comparava à bela rosa que um dia brotara, inocente, por entre meus caminhos. Tão linda e tão cheia de espinhos. Ela permanecera, como erva daninha, enraizada em um canto escuro qualquer, que recebia luz sempre que a saudade revolvia minhas vísceras. E quando esses momentos chegavam, eu me encolhia, esperando ser regada novamente.

- Fanta, você tá bem? – Carol perguntou, me trazendo de volta à realidade.

   Eu poderia dizer que estava bem, mas sou extremamente transparente. Por isso, apenas assenti sem dar maiores explicações. Nos encontrávamos na casa do Tiago Abravanel. Ele, que sempre fora um querido comigo, agora sedia seu espaço para mais um momento importante da minha vida, sem ter nem ideia de que se tratava de um "tudo ou nada". Christine viera comigo, já que o pai estava em turnê na Europa. À princípio, a ideia de afastá-la da escola, ainda que por apenas alguns dias, não me agradara, mas eu entendi que a minha força para encarar essa situação seria provida pelo meu anjo na Terra. Estávamos todos somente à espera dela. Luciana. Tudo parecia controlado, até que a campainha tocou.

Inspira, expira. Não pira.

   De longe, eu conseguia ouvir seus passos. Confesso que estava nervosa, mas a vontade de vê-la era diretamente proporcional a cada decibel que a sua voz aumentava devido à aproximação. Resolvi ir olhar como a Kikish estava no quarto, numa tentativa de deixar o ambiente um pouco mais cômodo para ela, só com as outras meninas. Quando eu sentisse que era hora, voltaria. Mas foi nesse momento que ela surgiu.

RaméOnde histórias criam vida. Descubra agora