[02] saudade

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Era estranho estar em um carro com Rafael dirigindo. Sempre imaginei que quando ele tirasse a carteira de motorista, sempre sairíamos juntos e que ele me ensinasse quando eu fosse tirar a minha também.

Ele era quase cinco meses mais velho do que eu, então já tinha completado os 18 e ainda faltava quase dois meses para que eu ficasse de maior e assim pudesse tirar a minha carta. Então sim, era estranho e ao mesmo tempo não, andar de carro com Rafael dirigindo.

Eu sabia quando ele tinha tirado a carteira, tinha sido assim que ele completou a maior idade, mas mesmo antes disso, ele sempre pegava o carro da Tia Ana escondido para sair. Sabia disso por que foram inúmeras vezes que em seus 15/16 anos que Tia Ana ligava para mamãe preocupada e perguntando se ele estava lá em casa. Rafael nunca foi um adolescente tranquilo.

— O que você está pensando, Alice? – ele pergunta me tirando de meus pensamentos e memorias e me recordando de como ele costumava me chamar.

— Muitas coisas.

— Você continua viajando ao mundo das maravilhas? – fala enquanto estaciona o carro um pouco antes da praia, já que a viagem não durava nem cinco minutos direito.

Quando eu era menor, tia Ana costumava me chamar de Alice, por ser tão desatenta as coisas e viver no mundo da lua, então cada ano que se passava, Rafael me chamava cada vez mais de Alice das Maravilhas.

E a grande maioria das vezes, chamava só para me irritar.

— Nunca sai de lá – digo por fim.

Tiro meus chinelos e os seguros nas mãos enquanto espero Rafael tirar sua prancha de dentro do carro.

— Vai se segurar até quando para perguntar? – fala e eu tenho que pensar um pouco até saber do que ele estava falando.

— Talvez até você me contar?

Eu sabia do que ele estava falando. Água. Surf. E seu grande medo do mar, que agora parecia não existir mais.

— Eu tive que perder o medo, Rafinha. Não podemos deixar nossos medos nos comandar.

Faço um sim com um movimento de cabeça e fico calada. Rafael falava a verdade, não se pode deixar os medos definir quem somos, mas depois do quase afogamento dele no mar aos dez anos, eu duvidava muito que ele voltasse a entrar nas águas salgadas novamente.

Depois que ele retira sua prancha do carro e trava o mesmo, o acompanho até a praia. Ele caminha até um grupo de garotos que estão sentados na areia e enterra a prancha no chão como os outros também fizeram. Rafael cumprimenta todos os amigos e depois senta-se ao lado deles. E não, ele não me apresenta a nenhum. Reviro os olhos e vou procurar alguém que pudesse me vender uma água de coco, ou até mesmo uma água normal.

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Sento sobre meus chinelos um pouco mais afastada de Rafael e seus amigos. O observo conversar com eles e depois ir em direção ao mar, cada um com sua prancha, cada um no seu ritmo. Eu não entendo nada de surf ou qualquer coisa do tipo, então quando o vejo pegar uma onda pequena e surfar sobre ela, meu coração se acende de felicidade.

Eu vi e acompanhei todo o trauma que Rafael teve ao se afogar no mar quando éramos pequenos, então ao ver domando as águas que ele tinha tanto medo com um pedaço de madeira sobre seus pés, eu fico feliz. Eu posso não suporta-lo às vezes, mas fico feliz por ele.

Rafael RafaelaOnde histórias criam vida. Descubra agora