CAPÍTULO 8-SENTIMENTOS INESPERADOS

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Toni agradeceu intimamente pela garota estar tão agitada a ponto de não perceber o impacto que estava causando sobre ela.

_Vamos lá para a biblioteca que eu quero te mostrar algumas coisas._Sara já a convidava a segui-la novamente.

Quando passou pela sala, beijou os cabelos da avó.

_Que cabecinha cheirosa, Cath.

_Estou usando aquele shampoo que você me deu, minha querida._a avó falou satisfeita.

A televisão estava ligada em um volume bem alto, provavelmente para facilitar que a senhora  ouvisse a programação, pensou Toni admirando o carinho da neta com a avó.

Toni olhou Sara sentar-se atrás da mesa enorme e escuro e fazer um sinal para que ela fechasse a porta da biblioteca atrás de si.

Sara abriu uma gaveta e pegou o extrato de um banco.

_Minha mãe deixou este extrato aqui, Felícia.

Toni ficou surpresa dela ter guardado o seu nome.

_Felícia Antônia. Diferente o seu nome.

_Minha mãe tirou de um filme que ela assistiu._Toni franziu o rosto demonstrando que não gostava do nome.

_Por que será que elas fazem isso conosco?_Sara falou cúmplice._Veja o meu nome: Sara. Minha mãe descobriu que o meu pai a traía com uma Jennifer Sara e... dá pra acreditar? Pôs o mesmo nome em mim dizendo que era pra ele nunca se esquecer do que ela nunca se esqueceria._revirou os olhos.

"Que tipo de mãe faz uma coisa dessas?", pensou Toni assustada.

_Aqui está. Este é todo o dinheiro que eu tenho. Peço que faça o que der, o que for mais urgente. Como vê, tenho só a metade do que a empresa mais barata pediu.

Toni olhou a quantia depositada num banco local. Dava para fazer a reforma e ainda sobraria algum extra para qualquer contratempo, calculou.

_Mas este depósito foi feito há três meses. Não tem um saldo atual?

_Não precisa. Foi deixado pelo meu pai que faleceu. Eu não mexi em um real, pois vou empregar tudo na realização do sonho da minha avó: recuperar a casa. Eu amo esta casa e amo a minha avó. Por favor, você acha que dá pra fazer alguma coisa com este valor?

_É claro. Concordo com você que as outras empresas estavam te explorando, Sara.

"Inocente", adicionou Toni a sua lista de adjetivos para Sara. Ficou imaginando se ela ainda seria virgem.

Sentiu-se estranha, quente e retirou a jaqueta preta.

_Na verdade, precisarei de quinze dias para terminar um outro serviço e se você não se importar em esperar, estou muito interessada nesta reforma aqui.

_Quanto tempo?_perguntou Sara, ao que Toni demonstrou não ter entendido._Quero dizer, quanto tempo você acha que levará a reforma?

_Bom, tenho uma equipe grande, são dezoito homens...

Sara a interrompeu levantando a mão direita, fechando os olhos e tombando a cabeça de lado, o que encantou Toni:

_Espere aí...você disse dezoito homens andando pela casa comigo, a Alice e a vovó aqui dentro? 

_Vocês estão pretendendo permanecer aqui dentro durante a reforma?_assustou-se Toni imaginando como elas sobreviveriam ao barulho e ao pó.

_Ok, vamos começar do início._Sara enrolou os cabelos na simulação de uma trança, mas eles insistiram em se soltar aos poucos._Minha avó está muito velhinha. São mais de noventa anos e ela não daria conta de se afastar desta casa e mudar de forma tão drástica a sua rotina. Pensei em dividir a casa em partes e vocês iriam reformando uma parte, enquanto a gente ficava na outra e assim por diante. Veja o esquema que eu desenhei.

Sara entregou várias cópias  xerocadas da planta da casa, onde ela tinha dividido tudo utilizando cores.

_Por favor, me diga que poderemos fazer assim...nada de recuperar vários locais ao mesmo tempo, como já vi os engenheiros fazendo em locais muito grandes, como em estádios, entende? A gente vai se deslocando. E já lhe aviso: não quero que mude nada, entendeu? A Cath quer a sua casa do jeitinho que ela era no dia em que ela chegou aqui com o meu avô, logo que se casaram.

Alice bateu na porta, entrou e avisou que já estava indo embora.

_Fiz as empanadinhas que você comprou e a sua avó já a está esperando para o jantar. Até amanhã.

Toni viu Sara beijar Alice e fazer um sinal para que a engenheira a seguisse.

Vó Catarina já estava sentada na mesa diante de um prato feito.

_Ah, você ainda está aí, menina bonita? Sente-se e jante conosco. Esta casa é tão grande e somos só nós duas. Eu gosto quando tem mais alguém.

Toni se preparou para recusar. Precisava ir à aula de capoeira, pois nunca se permitira faltar.

Sara entregou um prato pra ela e a convidou para sentar. 

Toni não acreditou quando decidiu ficar.

O cheiro da sopa, das empanadas e da salada de tomates com cebola estava delicioso e Toni percebeu que estava com fome.

Sara lhe entregou o sal.

_Alice não coloca sal em nada, por causa da vovó.

Vó Catarina ficou feliz com a companhia e Sara permitiu que ela dirigisse a conversa durante todo o jantar, o que deixou Toni mais admirada ainda.

_Você virá fazer a reforma?_perguntou a idosa a Toni.

_Não, vovó. Ela mandará uns homens muito bondosos para fazerem a reforma, mas ela virá de vez em quando vigiar se eles estão fazendo tudo direitinho, entendeu?_adiantou-se Sara com a voz carinhosa.

_O Dênis virá com eles? Ele prometeu arrumar a torneira da pia e não veio, Sara. A água está indo toda embora.

Toni percebeu que a expressão de Sara mudou:

_O Dênis viajou, vovó. Depois peço para alguém arrumar, está bem?

_Sara se casará com o Dênis e me dará bisnetos lindos, menina bonita._disse a avó sorridente.

Toni esperou Sara ajeitar a avó em frente à televisão para que depois pudesse acompanhá-la até o portão.

Já próximo ao portão, Sara cruzou os braços esfregando os ombros, pois o vestido que ela usava era fino e uma brisa fria soprava.

_Desculpe pelo falatório de nós duas. Você quase não falou nada._sorriu.

A luz forte da varanda, contrastando com a noite que chegara sem que Toni percebesse, revelou o contorno do corpo seminu de Sara.

Toni novamente se sentiu estranha. Controlou o desejo de retirar a jaqueta, que acabara de vestir, e jogar sobre os ombros da garota a sua frente.

_Te ligo na próxima semana para marcarmos tudo. Meu mestre de obras deverá vir na próxima visita para avaliarmos tudo._disse Toni subindo na moto e colocando o capacete.

Sara novamente se abraçou parecendo mais frágil ainda.

Toni sentiu um aperto no peito ao imaginar ela e a avó sozinhas ali naquela casa enorme durante toda a noite.

_Se quiser, posso mandar um dos rapazes vir antes para arrumar a torneira estragada.

A engenheira notou a professorinha se retrair. Um pouco de brilho que fora usado para desenhar nas orelhinhas que ela carregava brilhou no escuro.

A moça suspirou parecendo muito cansada.

_Não precisa. Não há nenhuma torneira estragada. Meu noivo Dênis a consertou há dois meses...antes de me dar o fora. Vovó adorava ele.

"Você também adorava ele", o pensamento apareceu de repente na mente de Toni.

_Não tive coragem de contar pra ela que ele nunca mais virá aqui.

Mais uma vez, Toni pensou em aquecê-la...agora, num abraço protetor. 

Despediram-se.

Toni foi embora, finalmente, imaginando que Sara poderia estranhar aquele gesto de uma estranha.


MEU PORTO SEGURO É VOCÊ-Um romance para gays e lésbicas-Armando Scoth LeeOnde histórias criam vida. Descubra agora