PRÓLOGO

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Longe da capital ergue-se Snowville, uma cidadezinha tomada pela neve que abrigava poucos habitantes, os quais não eram muito sociáveis. "Oi" e um acenar de cabeça já estava de bom tamanho. Ali, naquela região, levavam uma vida pacata, sem muitas preocupações. Talvez, a maior delas seria o fato de ter de tirar um monte de gelo da porta quase todo amanhecer. Fora isso, se aconchegar dentro de casa, perto da lareira, era a melhor escolha. Logo, era justamente aquilo que Sammanta fazia quase todo tempo.

Com o cobertor sob suas pernas, uma caneca de chocolate quente em sua mão, olhava para fora através da janela. O branco era bem visível, tomava conta dos telhados, do chão e do topo das árvores. Havia abusado aquela cor. Poderia ser chamada de cor? Ela encarava aquilo como um vazio, uma prisão congelada. Por que não azul? Se questionava. Era a sua cor favorita, combinava perfeitamente com o formato de um enorme algodão doce, uma guloseima que fazia questão de comprar de vez em quando.

Não lembrava a última vez que visualizou o céu azul, mesmo que enfeitado pelo branco das nuvens. Na vila - como costumava referenciar - o céu era sempre cinza, cinza como as paredes das casas, cinza como seu caderno na mesinha de centro - aquele, o qual escrevia sempre que queria relatar sobre seu dia. Mas, o que relatar? Tudo era tão monótono, tão normal, tão Snowville.

O fato de haver poucas pessoas na vila, a fazia saber de có quem era quem, talvez não pudesse dizer o nome de cada um, porém os rostos eram os mesmos desde que se lembrava. Era fácil decifrar que as crianças viviam entediadas, também era simples notar que seus vizinhos, os da casa à esquerda da sua, viviam brigando, não por conta dos gritos constantes que transpassava a parede de seu quarto, mas pela expressão da esposa, quando se encontravam pelas ruas.

- Querida, você não quer dar uma volta lá fora? Talvez ir comprar uns pãezinhos? - a voz da avó ressoou baixa por conta da idade.

Moravam apenas as duas naquela pequena casa. A senhora de cabelos grisalhos a amava como se fosse uma filha, mas não é o que dizem? Uma neta é filha duas vezes?

- Preciso mesmo? Está nevando. - ela emburrou a cara, a contragosto levantou para atender ao pedido da mais velha.

Depois de ter o dinheiro em mãos, subiu para o quarto, o som da madeira um tanto gasta musicalizando seus passos. Pegou seu casaco, estava nevando e o frio era uma consequência costumeira. Assim, se dirigiu para fora do ambiente tão familiar, metendo imediatamente as mãos dentro dos bolsos, parecia até que elas poderiam ser petrificadas a qualquer instante. Deu alguns passos para longe de sua casa, contando mentalmente cada um dos que dava. Mas não se deu conta de quando esbarrou em alguém, em um rapaz.

- Desculpe. - o estranho - o qual ela nunca havia visto por aquelas bandas - sibilou de cabeça baixa.

Sua mão direita estava manchada de vermelho, ela não conseguiu identificar a origem do líquido. Com os passos meio vacilantes, o jovem se afastava em silêncio, porém apressadamente, vacilantemente apressado. Tinha o cabelo negro como café, ao mesmo tempo marrom, como o chocolate que Sammanta havia tomado minutos antes.

Não passou muito tempo observando aquelas costas cobertas por um sobretudo de lavagem escura, se deixou levar por seus próprios passos esquecendo o breve ocorrido.

Apressou pelo caminho logo que uma voz, agudamente masculina, chegou aos seus ouvidos. Havia um homem mais à frente, era o marceneiro que morava na esquina, ele apontava para o chão, seu rosto se transfigurava a um terror imenso. Ao chegar mais perto, a primeira coisa que Sammanta observou, foi um branco tingido de vermelho vivo. A neve abrigava sangue, sangue do rapaz jogado no chão. O pescoço daquele garoto, que um dia atendeu pelo nome de William, estava degolado, e mais a frente estava a possível arma do crime, uma faca de mesa, mas não havia mais serra, o objeto parecia muito liso e pontiagudo.

- Eu não entendo - O marceneiro checou as horas, era, exatamente, seis da manhã. - A pouco tempo vim aqui fora deixar o lixo, esse garoto... ele... ele não estava aqui. Ai meu Deus... - mordeu o punho fechado.

Um assassinato? O que aconteceu? Alguém viu algo? Todos falavam ao mesmo tempo, crianças, aquelas que não deviam ver a trágica cena, choravam atrás de suas mães. A pequena multidão, que havia se formado rapidamente, estava escandalizada, aliás, Snowville sempre foi uma típica cidadezinha do interior, tão monótona, tão parada, tão...

- Misteriosa. - Sam, como a avó a chamava, falou baixo. - Que coisa misteriosa.

Ela passou pelo corpo no chão, cada vez mais pessoas se aproximavam. Parou por um instante antes de chegar à padaria suja, a qual sua querida avó insistia em comprar aqueles malditos pães. Respirou fundo, de repente seus olhos se arregalaram de excitação. Conseguia sentir o cano da caneta se unindo a sua mão, se movendo contra a folha branca de seu caderno. Certamente abrigaria novos relatos, esses, mais assombrosos. A normalidade de Snowville estava indo embora, mesmo que de forma trágica.

Um singelo sorriso brotounos lábios gelados de Sammanta.

The Legend of SnowvilleOnde histórias criam vida. Descubra agora