Michelle

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O corpo dele enrijeceu. E o meu também. Meu sangue estava quente, eu sentia ele correr por todo meu corpo. Nenhum de nós piscava.

-Nicolas, me responda! Você está ou não apaixonado por ela?

Ele levantou os olhos, passou as mãos pelo rosto, respirou fundo e respondeu minha pergunta.

-Sim, Michelle. Mas a verdade, é que eu não estou simplesmente apaixonado por ela. Eu sou apaixonado por ela. Desde sempre, na realidade.

Meu mundo caiu. Eu não sabia mais o que dizer. Minha boca estava entreaberta, meus olhos congelados focalizando no rosto dele. Não acreditava no que eu havia acabado de ouvir. Nicolas, apaixonado pela Sara. Agora tudo fazia sentido.

-Melhor irmos para casa. Os frios vão estragar- eu disse.

Durante a viagem de carro, ninguém falou nada. Eu precisava absorver as informações. É mais difícil do que parece quando você descobre que seu melhor amigo é apaixonado pela sua melhor amiga. Num piscar de olhos, a grande amizade entre vocês três, aquele laço, torna-se do nada apenas um grande romance impossível entre os dois amantes, e uma sidekick engraçada, que é o que dá humor á história. Tudo era mentira. Era falso. A maior amizade que eu conheci, a mais bonita, a mais verdadeira, era real por causa de um amor não correspondido.

O carro estacionou e eu saí. Fui até o porta malas e comecei a pegar as sacolas. Ele saiu também, e foi atrás de mim. Perguntou se eu queria ajuda para guardar as coisas e eu assenti. Subimos novamente em silencio, e começamos a guardar as coisas. Eu estava tonta, decidi sentar no sofá, e ele sentou do meu lado.

-Michelle, desculpe. Não queria contar a ninguém sobre isso. Mas não quero que você pense que tudo que eu faço pela Sara é por causa que amo ela. Eu a amo dos dois jeitos, entende? Faço as coisas pois ela é minha amiga, e ao mesmo tempo, faço outras coisas por que quero que ela goste de mim também.

-Que tipo de coisas faz para ela com o sentido de não-amizade?

Eu estava confusa. Ele fazia muito por mim, querendo ou não. Mas eu queria saber quais coisas ele fazia para conquista-la, e se ele não as fazia comigo também.

-Bom, eu a levo as vezes para restaurantes finos, e eu me arrumo muito mais quando saio com ela, ou até mesmo quando ela está junto.

"Então quando sai comigo você vai desarrumado?! Acho que sua ideia de estar malvestido é meio errada, meu amigo. "

-Isso explica o porquê leva ela em cantinas italianas e me leva em hamburguerias- eu disse com a voz baixa.

-Se quiser eu posso te levar a restaurantes chiques também- ele disse afagando meu braço.

-Não, eu gosto de hambúrguer.

E ele sorriu. Aquela curva que seus lábios faziam eram perfeitas, aqueles dentes eram tão brancos quanto um vestido de noiva recém-costurado. Mas aquele sorriso, era da Sara, e sempre será apenas dela. Respirei fundo e o encarei. A noite já havia caído.

-O que quer fazer agora? - Ele me perguntou checando o horário em seu relógio de pulso.

-Um hambúrguer iria bem, na realidade.

J

Sara chegou em casa tarde. Eu estava já de pijama deitada em minha cama assistindo uma série na Netflix.

-Ainda acordada? Ah é, esqueci que você não dorme- disse ela entrando em meu quarto e deitando na beirada da minha cama.

-Claro que eu durmo.

-Não dorme, não. Quando eu acordo, você já está acordada, quando vou dormir, você ainda está acordada. Hoje que cheguei tarde achei que estaria dormindo, e adivinha só? Acordada de novo. - Ela se deitou em minha cama do meu lado e eu me sentei.

-Na verdade, eu precisava falar com você. Precisamos ver a situação do consulado o mais rápido possível, tudo bem?

-Que situação? - Ela perguntou confusa, com as sobrancelhas mais franzidas do que nunca.

-Bom, você precisa conferir o seu visto, certo?

"Sara, por favor apenas concorde comigo e não faça mais perguntas. Eu não quero te assustar"

-É pela carta, não é? Já te disse que não precisa se preocupar, mas se apenas o fato de eu ir até lá e fazer uma pergunta te acalma, então tudo bem. Amanhã mesmo eu ligo. - foi a resposta dela. Sua voz estava calma, e suas mãos foram ao meu cabelo.

"A última vez que estive aliviada assim, foi quando eu descobri que passei na faculdade"

E foi assim. No dia seguinte, no período da manhã, ela ligou. Infelizmente, o responsável pelos vistos ainda não havia chegado, então nosso número ficou para retorno. Sara foi tomar banho, então pediu para eu ficar de olho nas ligações e atender caso eles retornassem. E foi como aconteceu.

-Com licença, gostaria de falar com a senhorita Sara Fontes, ela se encontra?

-É do Consulado?

-Sim, senhora. Com quem eu falo?

-Me chamo Michelle Hampton, eu moro com a Sara. Posso anotar o recado?

-Infelizmente só podemos tratar com ela. Ela poderia vir até a nossa sede amanhã de manhã?

-Claro, eu aviso ela.

-Muito obrigada, tenha um bom d...

Desliguei o telefone sem a mulher nem terminar a frase. Aquilo não podia ser bom de jeito nenhum.

40 diasWhere stories live. Discover now