Sara

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-Devo ir ao consulado com uma camisa do Brasil ou uma dos Estados Unidos? - Perguntei segurando em minha mão direita uma camisa da seleção brasileira da copa de 2010, e na mão esquerda uma blusa estampada com a bandeira americana.

-Que tal uma blusa preta básica? - Sugeriu Michelle, que estava sentada em minha cama tomando café- Isso não é brincadeira Sara, por favor, leve a sério.

-Tudo bem, acabaram as brincadeiras. Vou me vestir agora e saímos então.

O humor era uma armadura para mim naquele momento. Eu estava nervosa, Michelle estava visivelmente tensa, e até Nicolas estava preocupado, ele nos chamou para comermos pizza na casa dele á noite e assim diríamos o que o consulado queria.

Coloquei qualquer roupa, minha visão estava turva e meu coração acelerado. Eu não tinha ideia de que o consulado só enviava cartas quando algo estava errado. Eu achava que eles sempre nos enviavam coisas, pelo menos, no Brasil, alguns conselhos sempre enviavam (confesso, enchia o saco). Eu não queria ser deportada.

"Pensamentos positivos, Sara. Sim eu sei que nesse momento é difícil pensar positivamente, mas pelo menos tente não pensar negativamente. Eu consigo. "

O GPS nos guiava até o nosso destino. Estacionamos lá perto e caminhamos uns minutos apé.

"Inspira, expira".

Falei com uma moça no guichê. Ela loira com cabelos cacheados (cobicei aquele cabelo por alguns minutos). Expliquei sobre minha situação, ela checou alguma coisa no sistema e disse:

-Aguarde um instante, o responsável pelos vistos já te chamará. Pode se dirigir até a sala ao lado e esperar lá, por gentileza?

E lá estávamos nós duas, sozinhas, aguardando sermos chamadas. Não demorou quase nada até que um homem com aparência de uns 50 anos saísse de uma sala e nos chamasse. O seguimos. Ele tinha falhas nos cabelos, que eram ralos, e detinham de alguns fios brancos. Ele tinha olhos azuis profundos e seus dentes, eram brancos como a neve.

-Sara Fontes, certo? - Acenei com a cabeça, ele me ofereceu a mão dele, a apertei -Me chamo Carlos. Morei por um tempo no Brasil também, vim para cá quando criança. Gosta de morar aqui?

-Gosto sim, senhor.

Ele me entregou uns papéis e pediu para que eu verificasse as informações. Nada demais, apenas RG, CPF, endereço e etc. Tudo estava certo.

-Devemos falar sério agora. Seu visto, precisa ser renovado.

-Eu sei, meus documentos já foram providenciados, provavelmente semana que vem trago-os aqui e podemos iniciar o processo. - Aquilo realmente era verdade. Era simples, levaria os documentos necessários e tudo seria resolvido. Os planos estavam de pé!

-O problema, senhorita é o seguinte, ele expira em 40 dias.

"40 dias?! Está maluco? Não é possível! Obrigada por me animar e depois destruir os meus sonhos, seu monstro! "

-Há alguma forma de acelerar o processo? Algo que faça o visto ficar pronto mais rápido? - Michelle perguntou. Ela estava calma, serena. O que eu mais queria na vida era ter a capacidade dela de manter a calma (ou pelo menos parecer calma) nos piores momentos. Naquele momento eu já estava tremendo, e minhas pernas estavam tendo espasmos violentos.

-Casamento é uma forma. A senhorita Fontes está noiva? - Ele perguntou me fitando.

"Socorro"

-Estou, sim. Noiva. Do meu namorado. Ele me pediu em casamento. Sim. Casar. Vamos casar. Há há. Amor- os espasmos foram para minhas pálpebras.

Michelle me encarava imóvel, com os braços cruzados e os olhos arregalados. O queixo dela estava no chão. Por sorte, o meu entrevistador ignorou totalmente a presença dela.

-Perfeito. Vamos marcar uma entrevista semana que vem, você vem com seu noivo, assim conseguimos adiantar em aproximadamente 15 dias seu visto. Aí você pode continuar no país enquanto o processo é executado.

"Noiva? Noiva! Sara Fontes o que há de errado com você? Conte a verdade agora mesmo! "

-É... Só há um pequeno problema- dizia eu gaguejando enquanto aproximava meu dedão do meu indicador para demonstrar o tamanho do problema.

-Qual? - Ele me perguntou fechando a cara e franzindo as sobrancelhas.

-Ham... o meu noivo, sabe? Então, meu noivo está com uns problemas no trabalho e... Poderíamos vir no final da semana? Talvez quinta, ou sexta-feira?

Meu rosto estava congelado com o sorriso mais nervoso existente. E os espasmos estavam cada vez maiores.

-Sim senhora! Podemos marcar no final da semana sem problema nenhum. Agora preciso levantar uma questão imprescindível- ele juntou os dedos e colou suas mãos em frente á sua boca- Não creio que isso será um problema, já que a senhora está noiva. Mas, vamos entrevistar vocês, então eu espero que isso tudo não seja mentira.

-Mentira? Claro que não! Pode nos entrevistar, sim, sem problemas.

Ele sorriu sem mostrar os dentes e disse que estávamos dispensadas.

Espasmos de novo.

Minhas pernas estavam bambas, mal consegui andar os 100 metros até eu chegar no carro. Michelle permanecia quieta. Vi o Evoque de longe, eu estava chegando numa área segura, seria simples, eu iria entrar no carro, as portas seriam fechadas, eu colocaria o rádio no último volume e então eu começaria a gritar até minhas cordas vocais estourarem. Conforme fomos entrando no carro, comecei a iniciar meu plano. Me sentei no banco do carona, fechei a porta e comecei a aumentar o volume do rádio, mas a mão de Michelle me travou.

-Olha Sara, eu não sei como dizer isso, mas... você tem merda na cabeça? Casar? Você precisa arrumar um noivo em menos de 7 dias! Isso é loucura! Até para mim isso é loucura! E olha que uma vez um cara tentou me assaltar e eu saí de lá com todas as minhas coisas e ainda fiz ele me dar os sapatos dele.

-Eu fiquei desesperada, tá bom? - Enterrei minha face em minhas mãos.

-Vamos achar uma solução. Daqui a pouco teremos que ir para a casa de Nicolas de qualquer jeito, ele é advogado, talvez encontre uma brecha, sei lá. Acho que ele pode nos ajudar. - Disse Michelle serena, enquanto dava a partida no carro.

Nossas cabeças martelavam. Nossas engrenagens giraram o dia inteiro. Nosso encontro com Nicolas era nossa última esperança.

Então eu tive uma ideia.

40 diasWhere stories live. Discover now